sábado, 12 de março de 2016

COM O CAUDAL DO RIO LIMA REGULARIZADO, TERMINOU A SORTE DAS LAMPREIAS.

             

    A época oficial da pesca da lampreia no rio Lima começa em janeiro e decorre até abril. Consumida fora dos meses compostos com a letra "r" o peixe não será tão saboroso como nos meses iniciais da época, garantem os apreciadores com paladar mais exigente, não estando porém provado que a perda de interesse pelo consumo fora daqueles meses resulte da diminuição da qualidade se do número sucessivo de vezes que o produto entrou na dieta do apreciador. Com o recurso ao congelamento, a lampreia pode ser  consumida "fora da época" com a maior satisfação de qualidade por quem não teve oportunidade de o fazer nos meses recomendados, sendo que na época das temperaturas altas o seu elevado teor de gordura possa não ser saudavelmente recomendável.  



              A safra do ano a decorrer foi má para os pescadores com bicheiro, à vara porque a pequena embarcação apesar de ter motor à ré é melhor controlada pelo pescador desta maneira, por força do prolongado período em que o rio manteve um caudal volumoso e de corrente forte que não permitia visibilidade do leito e arrastava inertes que cobriam os "ramos" que as lampreias procuram a fim de recuperarem do desgaste da subida contra a impetuosa corrente. Clarificaram-se as águas, toldou-se a sorte do longilíneo ciclóstomo.

             Com dias e noites de espera enfrentando as agruras do frio e da chuva, preparando os "ramos" (blocos de pedra onde se prendem ramos de folhas verdes ) ou baldeando a água da chuva das embarcações, os "bicheiros" saltam da margem para as barquinhas de fundo chato e visionam, um a um, a armadilha onde esperam ver a lampreia a repousar. Zás!, puxa rápido para cima o gancho afiado e preso a ele a estrebuchar, aí está o corpo desejado da vítima.a rabiar no fundo do barco. Por ali andam mais assiduamente O Neu Tuta, o Tone Rocha da peixaria, o Pereira, o Piloto, o Adriano e um barco de pescador da margem esquerda cujo nome desconheço. Todos a montante da ponte no sítio da Passagem. A jusante, já em águas de Vila Mou, é a área preferida pelo Catulino, Meia Noite e, por vezes, do Caninhas e do Pelegrino. Andam mais, provavelmente, das freguesias da margem direita, Torre e, claro, Vila Mou. A montante do sítio da Passagem, em frente à freguesia de Fontão, nos Seixos, andarão o Zé Rocha, o Luís e o Carlos Pescador e outros, mas não tenho visitado o local nos último tempos. 



             Dos primeiros pescadores de lampreias de que guardo memória recordo o Carolino, o Rochinha, o Zé Badalheiro e o Ti'Gusto da Clara. Já eram idoso no tempo eu que fui novo. Estes, porém, não exerciam a pesca apenas por paixão, mas como modo de vida. Faziam do barco domicílio no rio, viviam do que o rio lhes dava. Mais do que a pesca faziam o transporte de mercadorias e bens entre Ponte da Barca, Ponte de Lima, Lanheses  e Viana do Castelo, dirigindo um barco de maiores dimensões com uma vela quadrangular redonda designado água-arriba, cuja cópia autorizada está estacionada ao fundo da Avenida Rio Lima, em Lanheses, aos quais prendiam jangadas formadas de toros de madeira que iam descarregar na doca de Viana do Castelo. As lampreias eram vendidas porta a porta pelos familiares dos pescadores a um preço que hoje seria considerado irrisório. Apesar disso, nem todos tinham posses para as comprar.



             Há relativamente pouco tempo as lampreias foram classificadas na categoria de peixes. Estavam catalogadas três espécies mas estudos recentes elevaram este número para seis: lampreia-marinha, lampreia-de-rio, lampreia-de-riacho, as comestíveis, mais, lampreia-da-costa-de prata, lampreia-do-nabão e lampreia-do-sado. A que é consumida em Portugal e designadamente no Minho por excelência, é a lampreia-marinha. Há diferentes maneiras de serem preparadas e o seu arranjo carece de experiência sem a qual a qualidade pode ficar comprometida. O modo mais comum e aquele de que pessoalmente mais aprecio é o popular "arroz de lampreia". Mas o pitéu pode ser degustado igualmente saboroso "à bordalesa" segundo a tradição originária de Bordéus (França), fumada, assada na brasa ou forno, com feijão e mais algumas maneiras conforme a região e a arte inventiva do cozinheiro, sempre regada com uma razoável dose de verde tinto da região minhota.


            Por questões religiosas ou místicas o consumo de lampreias não é tolerado em todas as latitudes. Tendo a aparência da serpente é associada ao simbolismo que a Bíblia estigmatizou como paradigma do Mal cometido no Paraíso por Eva, a esposa de Adão. O facto de ter e se alimentar de sangue que suga dos peixes é considerado impuro e, por isso, proibido aos não católicos romanos. Apesar de não recolher unanimidade quanto ao proveito que ela pode proporcionar às pessoas, a verdade é que o conhecimento e aproveitamento desta espécie remonta aos primórdios da História do Homem na Terra.



           Ponte de Lima é uma das terras mais mediatizadas onde se pode saborear a lampreia tirada das águas no rio Lima. Esta na modo e tem feito por isso. São inúmeros os restaurantes que a disponibilizam em alto grau de confeção a preços razoáveis. Mas não só porque em toda a área entre o Lima e o Minho não há restaurante de qualidade que não tenha tão característico e delicioso prato na ementa da casa, sendo que aqui em Lanheses ela também é estupendamente preparada e servida nos restaurantes locais ou nos eventos especiais em que a lampreia é rainha e servida "à vontade do freguês"

          Alguém chamou por mim. Com licença...











             
Fotos: doLethes
Remígio Costa
            

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