A ARANHA ARDILOSA E O ZANGÃO MATULÃO
O zumbido semelhante ao de um pequeno
drone levou-me a levantar a cabeça e
a deslocar a vista do jornal que segurava nas mãos, à procura de descobrir a origem
do estranho som. No pequeno espaço da casa onde me encontrava voava
ziguezagueante o enorme zangão que emitia o barulho, intermitente a cada breve
paragem que fazia. Reparei que a janela estava aberta numa fresta para deixar
correr o ar da manhã a refrescar o ambiente interior, que o intruso atravessou
para aceder ao espaço que lhe era estranho. Identificada a origem da pontual
perturbação da paz doméstica, a reação que primeiro senti foi a de expulsar rapidamente
o malquisto intruso; não por receio quanto a uma possível reação defensiva
contra mim do desorientado bicho, porque no decorrer de uma vida extensa
passada na ruralidade ambiental não escassearam no decorrer paulatino dos anos,
em tempo sobretudo de anúncio da Primavera como o que agora estamos a passar,
ocasiões para ver tal espécie a cortejar, uma a uma, na copa das árvores a
floração aberta ao sol, apesar da tarefa da polinização não lhe caber a eles
mas às suas maravilhosas filhas abelhas. O receio do que possa gerar uma eventual
ferroada não é fundamentado, porque, ao contrário dos parentes próximos, abelhas
e vespas designadamente, este espécimen não é dotado de ferrão; limitei-me a
seguir o ronco do voo ziguezaguiante do bicho até ele entrar no vidro abaulado
da luz do teto onde prosseguiu o combate a tentar sair da alhada em que caíra.
Prevendo que o imprudente grandalhão, com
tempo e tentativas constantes haveria de encontrar o caminho de volta, saí e
fechei a porta.
Mais tarde, voltei ao local, e agora, sem
perceber imediatamente donde provinha, ouvi de novo o zumbido agora menos
estridente e mais compassado; percorrei o olhar e afinei o ouvido na perspetiva
de perceber onde deveria procurar; foi então que, do lado de fora da fresta
ainda aberta da janela se passava algo que nunca tinha, ao vivo, presenciado e
fortemente me tocou: o abelhão matulão tinha reencontrado o local da invasão
domiciliária e, agora, ao sair, tinha sido caçado no ardil de uma reduzida teia
construída por uma diminuta aranha doméstica, e como que rosnava ao debater-se,
em desespero, a tentar libertar-se dos fios finíssimos que o enleavam, enquanto
a aranha tão pequena quanto um grão de ervilha cirandava sem parar,
prudentemente distanciada, à volta dele a reforçar a malha! Acompanhei,
estarrecido, por alguns minutos o dramático desenrolar da incrível cena antes
de puxar e fechar a janela convencido de que, de novo, a força do gigante
Golias voltaria a ser inútil contra a inteligência do pigmeu David.
O episódio decorreu há já alguns dias. O
vulto negro do “monstro” continua ali,
inerte, cadáver, enleado num novelo de impenetráveis filamentos cruzados. Pelo
menos, parte dele. A aranhita, paciente e metódica, previdente, adivinha-se de
guarda à despensa agora fartamente abastecida, e não irá preocupar-se, por
muito tempo, em voltar à caça para obter o sustento da sua sobrevivência.
É a vida.