sábado, 1 de abril de 2017

O PIANISTA E A BAILARINA (Conto)



     


 PEDRO E INÊS – O PIANISTA E A BAILARINA

    

       Esperou atento e em silêncio que a colega de turma do sexto ano B do ensino básico recolhesse na mochila o material escolar utilizado na aula de Estudo do Meio, a última do dia, e vendo que ela terminara a tarefa e se aprestava para sair da sala, falou-lhe num tom contido mas nítido:

    - Amanhã, vou tocar na festa de fim do ano na escola de música que ando a frequentar. Vão lá estar os colegas do grupo e os nossos familiares mais próximos.

       A Inês não tinha dado conta da presença do Pedro; orientou ligeiramente a cabeça na sua direção ao ouvir a voz, e olhando-o de frente convidou-o, com um mal escondido brilho no olhos, a concluir o que ele tencionava dizer-lhe.

     - Sei que a música faz parte das tuas opções favoritas, talvez gostasses de assistir, acrescentou. Vais? É à tardinha, depois das aulas, na Escola de Música, em Ponte de Lima.

       A surpresa do alvitre causou na Inês ligeira perturbação. Pensativa, tardou a compor a resposta simpática que o convite requeria, baralhada nos pensamentos avulsos que lhe ocorreram sobre a decisão a tomar, adiantando num tom de voz ainda inseguro:

     - Sim, gostaria muito. Mas, tenho marcada no meu horário das atividades extra escolares, no mesmo dia e hora muito próxima, aula de ballet na Academia de dança, em Viana do Castelo, a que não devo faltar porque estamos a preparar o nosso espetáculo anual a realizar no Teatro Municipal Sá de Miranda. Há uma distância considerável entre as duas localidades para vencer no reduzido tempo que medeia os nossos espetáculos.

     - Mas, podes sempre tentar, insistiu o rapaz. Procuraria que a minha intervenção ocorresse na parte final da sessão alargando-se deste modo a probabilidade de chegar antes da minha participação. Vê lá, talvez consigas, incentivou-a o jovem esperançado em obter o desejado assentimento da colega.

      - Não tenho condições para decidir agora, contrapôs a Inês. Se obtiver a indispensável autorização familiar para apoiar a deslocação, ficarei contente em ver-te atuar.

      - Vou esperar por ti, disse o Pedro, ao despedirem-se.


    
     Passavam vinte e três minutos após o início previsto da sessão da Escola da Música onde o Pedro iria atuar, quando a Inês se acomodou no banco traseiro do automóvel com rumo à autoestrada para vencer cerca de três dezenas de quilómetros no melhor tempo possível, sem pensar o condutor em riscos acrescidos na velocidade empregue ou rigor na observância dos preceitos legais aplicáveis ao trânsito nestas vias. Depois do acesso à zona nova da velha Vila limiana por ruas sinuosas e apertadas, a contornar algum movimento de peões e viaturas, um lugar para o estacionamento estava livre à entrada do presumível -porque nunca visitado antes- edifício onde o espetáculo estaria a aproximar-se do seu termo. Encontrada a escadaria interior do acesso ao auditório um andar acima, entrou a Inês na sala a meia-luz onde permanecia um reduzido grupo de vultos na plateia, e no palco ainda iluminado, apenas o Pedro e um adulto ocupados na arrumação dos instrumentos musicais e áudio relacionados com o evento, sinal ineludível de que a sessão já tinha terminado.



   

     Do palco, o Pedro apercebeu-se da chegada extemporânea da Inês, que ficara de pé e imóvel numa das filas mais próxima da boca de cena. Seguiu-se uma troca inaudível na plateia de breves palavras com o que parecia ser o responsável pelos equipamentos, e este, com um sorriso cúmplice que não se esforçava em disfarçar, abriu o piano e recolocou na altura adequada o banco onde voltou a sentar-se o jovem iniciado nos meandros fascinantes da música; guardando uns instantes de concentração, Pedro percorreu com os dedos o teclado do piano fazendo ecoar pela sala em expectante silêncio os primeiros acordes do que poderia reconhecer-se uma romântica ária de Beethoven, com certeza interpretada com não menor sentimento do que inspirou o seu celebrado criador.


Remígio Costa, 2017/03/29

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