sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A LENDA DE SANTO AGINHA.

 (Do livro de Lendas de Fernando Frazão)

Perdida entre os arvoredos da serra de Arga, a pouca distância de Caminha, está a pequena aldeia de Arga de S. João. Aí existe uma minúscula capela de branquíssima frontaria, dedicada a Santo Aginha, e mandada edificar em memória do milagre que vou contar. 
Diz a tradição do lugar que Aginha era um perigoso salteador de estradas e casais. A região vivia em pânico porque não havia dia que o homem desse sossego às pessoas. Ai de quem jornadeasse sozinho pelos carreiros e descaminhos da serra! Quando menos esperasse, via aparecer-lhe pela frente, de punhal em riste e chapelão de abas largas descaídas sobre os olhos, o malfadado Aginha. E se não levasse fazenda ou moeda consigo, passava um mau bocado porque o assaltante só desistia da presa depois de a esbulhar, nem que fosse da roupa que trazia. Se, por outro lado, arriscasse um gesto de autodefesa, poderia ficar bem maltratado, pois o salteador, ainda que por vezes fosse mais fraco do que a vítima, era homem habituado a rudezas e de uma agilidade de gato bravo. 
Dizem que, um dia, Aginha caiu sobre um padre que vinha de dar a extrema-unção a uma velhota que vivia num pequeno casal escondido nas brenhas. E, não se sabe como, o padre teve modos de o converter ao bom caminho e persuadir a abandonar aquelas malas-artes. Como penitência, o padre mandou que permanecesse no monte, só, nos mesmos locais onde antes atacava os viandantes, mas agora auxiliando quem passasse do modo que pudesse. Aginha obedeceu e por ali ficou, esperando que cada gesto bom que fizesse lhe apagasse, acto a acto, o passado. 
Certo dia, descia a serra uma carroça puxada por dois pachorrentos bois, carregada de lenha e com um carreiro sentado no varal. 
Aginha estava encostado a um carvalho, mastigando pensativamente uma azeda, quando viu a carroça virar-se repentinamente: uma roda passou por sobre uma pedra maior, desequilibrou-se e tombou para o lado. 
O carreiro, aflito duplamente - pelo desastre e por se saber em terras de Aginha - olhou em volta procurando auxílio. Soltou dois palavrões, tirou o chapéu, coçou o cocoruto e disse mal da sua vida. Subitamente, os seus olhos deram em Aginha, que se levantava para o auxiliar. Fez-se branco de pavor. E ignorando a conversão do salteador, crendo que ele se aproximava para o maltratar, pegou na machada da lenha e, automaticamente, desferiu-lhe uma pancada tão cheia de pânico que o matou. Com o coração angustiado, desatou a correr serra abaixo até chegar à aldeia. Dirigiu-se às entidades a declarar o sucedido, tanto mais que sabia - pensava esperá-lo uma moeda de ouro, por recompensa. As autoridades tomaram conta do ocorrido e disseram-lhe que mais tarde se certificariam do facto. 
Voltou o carreiro, com o coração mais leve, ao local do crime para finalmente socorrer os bois e trazer o carrego para a aldeia. Sentia, contudo, no fundo das tripas um certo horror pelo que fizera e por isso tratou de tudo como um burro empalado, olhando em frente, evitando encarar o corpo que estendera no chão. 
Quando dias depois as autoridades se dignaram a subir a serra para verificar o óbito do assaltante, encontraram incólume o corpo de Aginha e, segundo dizem, exalando um suave cheiro de flores silvestres numa madrugada de Maio. 
Esta é a história do assaltante que foi tão santo e fez tais milagres que o povo, agradecido, passou a venerá-lo na capela de Arga de S. João.


 

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