sábado, 5 de dezembro de 2009

O MÍSTICO LUGAR DE SANTO ANTÃO



           Santo Antão é, segundo a tradição religiosa, o orago dos animais. Há, claro, também  Santo António e julgámos que outros mais, igualmente capazes de prodigalizar benesses milagrosas aos que a eles encomendam suas preces.
           Mas o que hoje me proponho aqui trazer é o Largo de Santo Antão e falar, a propósito, da festa religiosa-profana que ali vem decorrendo há um ror de anos numa tradição que, não sendo já o que foi,  mantém algumas das suas castiças e peculiares características.
           No outeiro onde se destaca a alvura da sua encantadora capelinha, ao cimo de um acesso em escadaria e calçada em pedra, há ainda um cruzeiro e algumas cruzes. Diversas árvores estendem a sombra sobre mesas e bancos de pedra convidando ao degustar do farnel e ao benefício da brisa em dia de canícula. Um muro de cantaria completa o conjunto das obras de requalificação que ali se fizeram nos anos oitenta do século passado. A vista que do alto se alcança em redor vai da Serra d'Arga, a norte, até às terras limianas a nascente e, a sul, a vista perde-se pelo vale do Lima até à foz, depois de passar por grande fatia da parte ocidental da freguesia. Deslumbrante!
           É ali que decorre, desde tempos, a festa anual em louvor do protector dos animais domésticos. Em dia de Ascensão, quarenta dias após a celebração da Páscoa dos católicos, que, segundo o calendário deveria coincidir a uma quinta-feira mas, em conformidade com a determinação do acordo entre o Estado e a Igreja, as manifestações festivas foram transferidas para o domingo seguinte, com a finalidade de reduzir os dias improdutivos sendo certo que a data para os lanhesenses e fiéis devotos de outras terras limítrofes era considerada como dia santo, e, assim sendo, equiparado ao domingo.


       Todos os anos, naquela data, os festejos iniciam-se na Igreja Paroquial com a HORA, assim designada por ser sensivelmente de sessenta minutos a sua duração, cuja particularidade consiste no lançamento de flores por jovens estrategicamente colocados na nave do templo, saindo, no final da cerimónia o andor de Santo Antão aos ombros de jovens mordomos em procissão solene até à Capela, situada a menos de um quilómetro, com curtas paragens junto das cruzes existentes ao longo do percurso -cinco, no total- para cumprimento do ritual religioso da praxe.
       Mantém-se, deste modo, o essencial do cariz religioso da festa mas perdeu-se a sua matriz popular no que concerne à relevância que usufruia noutros tempos, quando, os habitantes detentores de animais de criação, designadamente da raça bovina e caprina, ali os conduziam para receberem, após fervoroso e empolgante sermão de louvor ao padroeiro homenageado a cargo de orador sacro, ouvido em fervoroso silêncio pela multidão através dos altifalantes, era lançada sobre o recinto a chamada BENÇÃO DO GADO. Lavados, escovados, com os chifres dos bois a reluzir do azeite com que foram untados e lindamente enfeitados com cores garridas de variadas flores, eram conduzidos às centenas ao recinto por lavradeiras vestindo os seus trajes característicos e arrecadas e cordões de ouro, onde se procedia à cerimónia da benção. Uma banda actuava em coreto previamente montado, enfeitado com flores naturais e ramos de buxo que a Primavera já propiciava, situado logo no início do recinto sob um velho sobreiro, já inexistente, ao som da qual  se formavam  bailaricos para gáudio de novos e idosos. Abriam-se as garridas cestas de verga e, em cima da toalha branca de linho, o presunto, o galo, os pastéis de bacalhau e outras iguarias caseiras, eram servidos com um bom verde da região. Mas também, ali bem perto, aviava na sua casa a tia Maria da Clara um cabrito assado que nunca ninguém mais terá o privilégio de saborear igual, porque extinto é o saber de assim o preparar.
            Duas referências que perduram na acervo da minha memória me prendem de forma indelével àquele local: o facto de ali ter nascido numa casa já substituída por nova moradia, da qual havia de sair ainda bebé para ir morar para a Corredoura e a figura da tia Rita Nunes, que ali junto morava em casa ainda hoje existente. É


que aquela senhora tinha uma particularidade que qualquer criança nunca apagará da sua cabeça mesmo que viva até aos cem anos: fazia uns caramelos de açúcar em forma de guarda-chuva, envoltos em papel afiche (?), multicolores, que transportava numa cestinha presa a um braço e, arrimada a uma pequeno pau, ia vendendo a dois tostões cada um (um décimo do cêntimo actual?)! Que Deus a guarde e, esteja onde estiver, se sinta ainda melhor do que eu me regalo agora neste momento em que recordo os seus divinos guarda-chuvas doces!

      Os tempos, inevitavelmente, alteram o curso das comunidades. As tradições são substituídas por outras que são as das pessoas que as criam e vivem no tempo que lhes pertence. Para nós são as memórias do nosso passado e o que nos compete è transmiti-las aos seus herdeiros naturais: os nossos descendentes para que não deixem desaparecer as suas raizes e identidade.


                                         Era o ano de 2008. Nós estivemos aqui, em Santo Antão.

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