quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

DO QUE PRECISAS, AMIGO?

             Na fila da caixa do supermercado a operadora de serviço, completado o trabalho do registo dos produtos depositados no carrinho, diz: -confira e marque o código, por favor. Preparo-me para executar o ritual e primo os quatro dígitos secretos que abrem o cofre onde, supostamente, deverá estar a provisão que saldará o encargo com a despesa, quando, um corte de corrente inviabiliza a operação. Com a restauração da corrente eléctrica momentos depois, foi reiniciada a operação sem sucesso.-Parece que o sistema foi abaixo. Vou tentar de novo, diz, sem impaciência aparente, a funcionária. Repete, nova recusa. -Não dá. Pode tentar na máquina ali ao fundo?, indica, apontando para o local aonde me deveria dirigir. Nada. O sistema estava todo afectado, qual pandemia de gripe A.
             Volto à caixa sem me atrever a encarar as pessoas que já engrossavam a fila, sentindo sobre mim o faiscar dos seus olhares de recriminação. Puxo, entretanto, da carteira, bem sabendo que não encontraria nela a solução para o problema por não andar, habitualmente, com muita liquidez, ensaiando em geito de desculpa:- Ainda se pudesse emitir um  cheque. Mas não é permitido aqui...-Não, não é. Terá que ir mais longe tentar outra ATM. Eu guardo-lhe o carrinho.
             Foi, então, que ouvi alguém pronunciar: -Há problema? Precisa de alguma coisa? 
             Desvio o olhar para a direita, fora da fila, e reparo num cidadão com perfil de aposentado, grisalho, uma bengala na mão esquerda e um semblante de cativante tranquilidade. Concluí que assistira desde o início ao meu embaraço. Repetiu:-Há problema?. De quanto precisa? Fixei o seu rosto de frente e não vislumbrei nele sinais de se ter apercebido de alguma perplexidade da minha parte, pois, não me sendo o rosto totalmente indiferente, não fazia qualquer ideia quem era nem de onde o conhecia. Informeio-o do valor das compras mas acrescentei, ainda incrédulo: -Desculpe, mas não me lembro quem é o senhor e aonde posso levar-lhe o dinheiro que me empresta. -Não se preocupe, diga-me onde costuma tomar café e, mais tarde ou mais cedo, eu passo por lá. Depois de lhe ter indicado o local onde deveria procurara a quantia  e de lhe perguntar o nome, selamos a despedida com firme aperto de mão.
              Há dias voltámos a encontrar-nos, em local diferente. Já tinha levantado o sobrescrito, onde, no mesmo dia em que nos víramos, lá tinha deixado, no café por ele indicado. Não foi, ainda, uma conversa onde se trocam informações recíprocas que ajudam a construir o edifício de uma boa amizade, mas suficiente para ficar agendado um local onde, tranquilamente, teremos oportunidade de gozar do privilégio de pertencer a uma geração de valores e princípios cada vez mais escassos e esquecidos.
            
               

           

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