domingo, 5 de junho de 2016

O TEMPO PASSA, O TALENTO FICA.

         


            Há quem se contente com ver o tempo passar e outros que seguem com ele aproveitando a companhia para viver a vida na plenitude das oportunidades criadas até que a corda se quebre e os ponteiros do relógio deixem de rodar. Ao contrário do que se ouve dizer, bem usado, o tempo que nos é permitido humanamente aproveitar basta para a realização pessoal de cada um, com ressalva de mirabolantes ambições utópicas. 

        O tempo passa inexoravelmente para tudo que é material mas a criatividade e o talento perduram para além da finitude do criador através das obras de que em vida foi autor. É o exemplo que aqui venho divulgar dando a conhecer uma curiosa coleção de objetos manufaturados nos considerados "tempos livres"  do artesão, constituída por réplicas à escala reduzida ou mesmo real de utensílios da lavoura tradicional no Minho e das mais variadas peças de uso e utilidade doméstica das casas dos lavradores, a maior parte das quais caídas em desuso e em vias de total desaparecimento.


        António Gonçalves da Rocha, o António d'Amaro, do lugar da Taboneira, não escapou ao surto migratório em massa que quase despovoou Lanheses da população ativa a partir dos anos sessenta do século passado, tendo estado emigrado em França onde exerceu atividade no ramo da serralharia civil. De regresso à terra natal ao fim de alguns anos de emigração, agora com a estabilidade económica pessoal melhor consolidada, entregou-se com a família às atividades agrícolas nas suas courelas as quais preenchiam a maior quota parte do tempo útil de cada dia, principalmente nos períodos da preparação das terras e no decorrer das colheitas. Nos escassos intervalos das tarefas que a lavoura permite, incapaz de se manter inativo por muito tempo e sem apetência por preencher o vazio do trabalho quotidiano em encontros pontuais com amigos, o António dava largas à sua riqueza criativa e habilidade de mãos, fazendo na tranquilidade da sua pequena oficina objetos replicados daqueles que eram (são) comuns aos lares tradicionais das casas com lavoura. É disso que venho falar e mostrar o melhor possível através das imagens fotográficas.


       O António d'Amaro faleceu no dia sete do último mês de Março, aos 88 anos de idade, pelo que as informações de que precisava e o assentimento para as divulgar foram-me concedidas pela viúva, Áurea Castro. De resto, conheço e regozijo-me da amizade antiga de todos os membros desta família exemplar e muito estimada no seio da comunidade lanhesense. Para além de poder identificar uma a uma a maioria das peças artesanais elaboradas pelo amigo António d'Amaro, ouvi os pormenores sobre a forma de atuar do criativo artesão, a preocupação que tinha em recorrer à reciclagem de materiais, a minúcia que punha nos pormenores na execução de cada peça e a fidelidade às formas e características do modelo original. Não poucas vezes, incitava a esposa para que fosse ela a dar-lhe sugestões ou lhe pedisse para que fizesse qualquer peça de que precisasse. Todo o construído se relaciona ou faz parte do ambiente agrícola: carro de bois, canga, arado, grade, semeador, padiola, carrinhos de mão, forcados,  sacholas, ancinhos, malho, enxadas, fouces e foucinhas ou mesmo um açaime redado para aplicar no focinho do gado bovino para impedir que pudesse comer no decorrer de certos trabalhos agrícolas. Mas também tem construída uma réplica perfeita de uma prensa para espremer o bagaço das uvas, uma esmagadora manual, uma dorna, crivo para separar a azeitona de folhas da oliveira, maceira de preparar a massa para a broa de milho, gamela para padejar a massa, raspadeira e recipiente para guardar o fermento para a fornada seguinte, bem como todos os utensílios e instrumentos necessários à preparação do linho, desde o ripar, dobar, ensarilhar, pentear (cedeiro), fazer as massarocas e, por fim, fiar, bem como a cadeira para a pessoa se sentar, bem como rasa e quarto de rasa para medir cereais. Mas não acaba aqui a panóplia dos objetos legados pelo habilidoso e apaixonado de arte popular, António Rocha, porque outros por ele foram criados, como o "treco" barulhento das festas populares e o "saca rabos" para aliviar a grade dos torrões e raízes das terras aradas.



         Frequentemente, algumas destas peças são solicitadas para figurarem como ornamento em bodas de casamentos ou almoços de convívios  Todavia, nem sempre são devolvidos sem estragos o que leva a cedente a equacionar a cessação dos empréstimos. Por outro lado, os filhos e restantes membros da família d'Amaro estão dispostos a criar no âmbito familiar um espaço próprio onde as peças ficarão guardadas e devidamente preservadas para memória futura do autor.


        Já de saída e no recinto envolvente onde é manifesta a natureza própria de uma casa de lavoura tradicional, podem ver-se terra com culturas, os caniços para recolher espigas do milho, poço e motor de rega, uma eira, trator e outros utensílios agrícolas, bem como cinco belos exemplares de porcas pretas "meninas" a alimentarem-se.

        Muito grato ao amigo Amaro Rocha e à sua mãe Dª. Áurea,  pela atenciosa disponibilidade concedida.




























        
          
                                 À ENTRADA



Fotos: doLethes
Remígio Costa
         

 

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