Quem é que nunca foi confrontado com a irritante pergunta do vendedor ou prestador de um serviço a que recorremos para satisfazer uma necessidade, seja ela importante ou trivial? Você nem precisa de responder porque entende claramente que a intenção do perguntante é cobrar o bem ou serviço não emitindo o documento adequado. Mas, se responder afirmativamente, também não se surpreende perante o esclarecimento de ver agravado a quantia prevista com o valor do imposto devido ao fisco.
É assim que funciona a relação do fornecedor com o cliente numa percentagem que se divulga rondar 30% da dita economia paralela, numa previsão optimista que peca por defeito no mundo real em, no mínimo, 20%. Poucos têm noção de que metade do valor daquela percentagem chegaria para pagar todos os encargos de um ano com as pensões de aposentação e ainda sobraria dinheiro.
O Estado é incapaz de anular ou reduzir significativamente o crime fiscal generalizado que se pratica como um direito instituído pela tradição que, não sendo privilégio da nossa cultura lusitana, não é menos cultivada do que noutros países considerados corruptos. Não o conseguindo pela via normal que seria a de fazer cumprir a lei e punir os infractores, o governo entendeu brincar ao jogo e entrou no esquema aliciando os cidadãos para a função paralela de ajudar o fisco criando os sorteios de automóveis usando a factura como habilitação de acesso.
A partir de agora, já ninguém vai esperar pela pergunta incontornável. Vai tomar um café? Factura! Compras no supermercado? Facturinha, please! Abastecimento de combustível, padaria, arrumador de automóvel, donativo para o S. João, bilhete de cinema, consulta médica, reparação de viatura, compra no cigano ou chinês, jornal, electricidade, água, farmácia, viagra, barbeiro, cortesia de convite, claro e simples: número de contribuinte e emissão da cautelinha da sorte! Pudera, é um carro, melhor, um carrão igual ao dos que os governantes utilizam que está em jogo, mesmo que a hipótese de um optimista vir a sentar-se ao volante de um deles seja ainda mais remota do que ir à Lua a pedalar numa bicicleta!
Haja alegria e vamos lá à canção da facturinha. Mas, não há factura p'ra ninguém!
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