GASPAR ARAÚJO, ENTREVISTADO PELO DOLETHES
GASPAR ARAÚJO, nasceu e reside em Lanheses (Viana do Castelo), onde iniciou a prática do atletismo que o levaria ao mais alto nível competitivo e à representação de Portugal nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004.
Aceitou falar da sua vida desportiva numa conversa quase informal onde os
assuntos foram discorrendo com naturalidade, num desfiar de recordações e
factos que enchem o seu vasto e rico currículo no desporto português.
DoLethes (dL): Emergindo de um meio sem tradição e estruturas vocacionadas para a
prática do atletismo, como se consegue fazer uma carreira recheada de êxitos
como tu conseguiste?
Gaspar Araújo (GA): Isto principiou por altura da escola primária
quando o falecido João Rios, então Presidente da Associação Humanitária e
Cultural de Lanheses, organizou o Grande Prémio aqui na freguesia, acho que foi
já na altura o segundo, e a minha professora D.Glória pediu para que os alunos
participassem todos e foi ela que me inscreveu. Na altura, treinávamos no campo
de futebol do UD de Lanheses e estavam connosco os três irmãos Castro, do lugar do Seixô, o mais velho dos quais, o
Carlos, praticava e era o responsável pelo grupo. Foi ele o meu
primeiro treinador.
Portanto,
isto principiou aqui por Lanheses, a treinar aí pela estrada, assim um pouco por
brincadeira e para ocupar o tempo nos intervalos da escola. Fazíamos algumas deslocações
para participar em provas, em Braga, por aí,
GASPAR ARAÚJO, numa demonstração da sua especialidade, no Parque Verde, em Lanheses. (2 Setembro 2012).
(dL) - Os teus
pais tiveram uma participação muito grande no teu empenhamento pelo atletismo?
(GA) - Andaram muitas fins de
semana completos comigo de um lado para o outro por causa da minha participação
em competições. Não apenas comigo mas transportando outros companheiros como o
Paulo Quintas, o Zé Lopes, o Paulo Rio que também foi um atleta com muito
empenhado e com valor.
(dL) -Mas só tu prosseguiste uma carreira no atletismo?
(GA) - Eu e o Paulo Rio fomos os que mais nos
aplicámos no atletismo. O Paulo optou, porém, por terminar a faculdade e eu,
talvez por um pouco de teimosia e também por influência do meu orientador,
o professor Eduardo Fonseca, fomos
acreditando que haveria algo mais que eu poderia tentar fazer. É claro que
qualquer atleta alimenta o sonho de um dia participar nos grandes meeting como
os Jogos Olímpicos, uma ambição de qualquer desportista amador como nós somos.
Estarmos presente num acontecimento da projecção de uns Jogos Olímpicos é
sempre um referência incontornável para nós.
(dL) - Falaste no professor Fonseca. Porque aparece ele como teu
treinador?
(GA) - O professor foi atleta muito
empenhado não tendo atingido porém cotação internacional e terá visto em mim a
possibilidade de alcançar essa aspiração através da minha carreira, prestando-me o apoio e os seus muitos conhecimento
profissionais indispensáveis para o conseguir, estando já comigo vai para
quatro anos.
(dL) -Entretanto foste estudando?
(GA) - Fui tirando umas cadeiritas, ia dois, três meses à Faculdade.
Quando era preciso preparar mais a sério parava tudo; eu passava a vida no Estádio, em Viana (Manuela
Machado) treinando cerca de seis a oito horas por dia. Em pista, a partir do
ano 2000. O meu treinador que era professor na Escola Secundaria de Lanheses,
foi entretanto destacado para exercer funções na Associação de Atletismo de
Viana, passando depois a exercer funções
na Câmara Municipal , na secção de desporto, e, a partir daí as coisas tomaram
um rumo diferente. Com a conclusão do Estádio Municipal passamos a ter melhores
condições de trabalho pois eu, até aí, treinava em terra e em estrada.
Demonstração do salto em comprimento num terreno improvisado.
(dL) - Estavam reunidas as condições mínimas para a prática do
atletismo de alta competição?
(GA) - Claro. Antes, para utilizar
pistas de tartan, teríamos que nos deslocar a Braga ou à Maia. No fundo, esta
falta de condições locais, era até estímulo para nos obrigar a ser mais
exigentes em relação ao treino e, além disso, nós portugueses, temos essa capacidade de nos adaptar e trabalhar
com aquilo que temos. Por outro lado, a conjuntura em que se move o desporto do
atletismo em Portugal nunca foi muito favorável à sua prática e divulgação
popular. Mas nós, por carolice, sempre fomos batendo os obstáculos que nos
apareciam e apesar disso conseguimos muitos êxitos para o nosso país, como o
provam as medalhas alcançadas pelos desportistas portugueses.
(dL) - Como simples seguidor do desporto julgo que o atletismo já teve
melhores dias em termos de resultados e êxitos individuais dos praticantes do
que actualmente. O que pensas sobre isso?
(GA) - Sim, penso que a modalidade
tem vindo a diminuir na sua visibilidade, se consideramos o que ele foi entre
2003 a 2006, onde pontificavam atletas como Rui Silva, Fernanda Ribeiro, as irmãs Sacramento
, Manuela Machado, e alguns outros
atletas que dispunham de boas condições para se prepararem. Nós fazemos muitas
viagens e trabalhamos oito horas diárias com a preparação, e, para a
nossa estabilidade emocional e encargos precisámos de apoios, para fazer bem
aquilo de que gostámos. Além disso temos a barreira da idade que em termos
técnicos se situa entre os 30/35 anos, com excepção dos fundistas que podem
prolongar uma carreira com êxitos por mais alguns anos, alguns deles quase até
à idade de reforma. No salto não é a mesma coisa. A partir de 2007 o panorama
deteriorou-se não obstante a medalha conseguida pelo Nelson Évora nos Jogos Olímpicos
de Pequim, mas nessa altura já tudo não corria da melhor forma para nós.
Todavia, os que não tiveram êxito continuaram a trabalhar muito para lá chegar,
sujeitando-se às medidas de contenção de meios impostas pela FPA, atendendo que
levar oito dezenas de atletas aos jogos olímpicos não é nada barato. Disto
resultou que para limitar um pouco o número de atletas naquelas competições,
foram elevados os valores dos mínimos exigidos, excluindo deste modo atletas
que, embora na fase de apuramento não os conseguissem mas, em competição
poderiam via a superá-las, até. Numa competição tudo pode acontecer.
Alguns dos troféus conquistados no decorrer da carreira.
(dL) – Todavia, não
podem deixar de existir marcas mínimas?
(GA) - É óbvio que há necessidade de estabelecer mínimos porque não faria
sentido ver atletas em pista a serem dobrados sucessivamente. O que é lamentável
é impedir que seja por esta forma que
sejam impedidos atletas de participarem.
(dL) - Como encaras a falta de
entusiasmo que a participação dos atletas portugueses nos Jogos Olímpicos de
Londres parece ter ocorrido na comunicação social e, por reflexo, no próprio
público em geral? Não achas injusto que se meçam resultados entre países quando
as condições de participação são impossíveis de comparar dadas as assimetrias
dos apoios de que cada um beneficia?
(GA) - Sem dúvida muito injustas, embora aqui em Portugal já existam
condições bastante aceitáveis para a prática do atletismo, sobretudo a nível
dos equipamentos. Em Lisboa, (Jamor) Rio
Maior e em Vila Real de Santo António, onde eu ia estagiar três ou quatro vezes
por ano. Há ainda o Estádio de Leiria, com um a pista muito boa onde já se
realizaram campeonatos mas que corre o risco de vir a ser extinta com a venda
do recinto.
(dL) - O investimento é suficiente?
(GA) - Bem, o atletismo gera bastante despesa. É a água, há gás a
consumir, a manutenção dos espaços que custam muito dinheiro. Por outro lado há
os atletas com muitas horas de treino, onde podem ocorrer lesões que são
tratadas à nossa custa, muito embora eu tenha tido o apoio prestimoso do dr.
Carlos Rio nas minhas várias lesões que sofri e que ele com a sua competência
me ajudou a superar.
(dL) - São muito frequentes e graves as lesões no tua especialidade
(salto em comprimento)?
(GA) - Sim, são muito. Tanto
ósseas como musculares. Repare-se que, nos treinos, chegámos a executar 800 (!)
saltos, o que multiplicado por dias, semanas e meses dá um número muito grande.
São muito os impactos a que estamos sujeitos.
(dL) - Relativamente aos clubes que representaste quais os que
actualmente oferecem melhores condições para a prática da modalidade?
(GA) - Sem dúvida o Sporting e o Benfica os que mais apostam nesta altura
no atletismo. O FC Porto teve também uma fase de bastante interesse mas a
limitação de atletas estrangeiros imposta pela Federação não foi bem aceite
pelo clube nortenho e este extinguiu a
secção, o que, em termos de expansão da modalidade, foi um perda importante
dada a dimensão do FC Porto no espectro do desporto nacional. Era um grande
clube a menos interessado em praticar atletismo.
(dL) – As grandes massas em Portugal não aderem aos espectáculos de
atletismo?
DIPLOMA DA PARTICIPAÇÃO OLÍMPICA.
(GA) - O curioso é que nos campeonatos da Europa disputado em 2005, em
Leiria, foi anunciado na TV, rádios, jornais, autarquias locais, foram
oferecidos bilhetes às crianças das escolas, para verem uma competição onde
estavam os melhores atletas europeus das várias selecções, mas, infelizmente, o
estádio encontrava-se completamente vazio, quase “às moscas”, quando os bilhetes eram “de borla”. E isso entristece-nos um bocadinho, porque só se fala de futebol, a comunicação social
não dá relevância a estas provas e, depois, aparece para “nos dar nas orelhas”, quando as coisas correm menos bem. Quando
tudo corre bem é só palminhas nas costas, muitos parabéns, elogios, entrevistas;
quando acontece o contrário somos uma vergonha, andámos a gastar o dinheiro dos
contribuintes, somos uma vergonha, o que é muito injusto para nós.
(dL) – No que se refere aos
treinos. Como de preparas actualmente?
(GA) - Estando em Aveiro a estudar entro todos os dias em contacto com o
professor Eduardo; ele estabelece o plano para o treino do dia e, no dia
seguinte, volto a telefonar-lhe para lhe dar conta de como decorreu o treino, o
que fiz e se foram cumpridos os objectivos por ele programados.
(dL) - Falando de objectivos: prevendo ainda mais quatro ou cinco anos para continuares a actividade competitiva ao mais alto nível que metas ou objectivos pensas ainda atingir?
(GA) - Bem, eu tenho de compreender que a minha capacidade competitiva
nesta especialidade já não pode ser a mesma com a idade que já tenho (30 anos),
pelo que terei de fazer uma gestão adequada da minha carreira. Claro que
continuarei a manter interesse em estar presente nos campeonatos da Europa, no
campeonato do mundo e, quem sabe, nos próprios jogos Olímpicos. Isto porque não
faltam exemplos de campeões olímpico com 36 anos, como aconteceu este ano
em Londres, um atleta italiano foi 2º ou
3º não estou bem certo, e tem aquela idade, sendo medalhado. O “bichinho “ pelo atletismo não vai morrer
dentro de mim. Naturalmente tudo vai depender da resposta do corpo e,
naturalmente, a paciência do professor Eduardo Fonseca para me acompanhar porque é muito importante o
treinador estar sempre na rectaguarda.
(dL) - Que futuro para ti dentro do atletismo? Projectos pós-carreira
tens em mente?
(dL) - Eu escolhi Fisioterapia para
continuar ligado ao atletismo nesta especialidade e tenho como meta ficar
ligado, nesta condição, à Federação Portuguesa de Atletismo. São 25 de ligação
ao atletismo, é uma vida inteira e o que acaba por ser a minha própria vida. E poder continuar
ligado a ele será sem dúvida o meu grande sonho.
Uma carreira de muitos êxitos.
(dL) – Pensaste, alguma vez, poder vir a desempenhar um papel relevante nas
estruturas do atletismo regional?
(GA) - Também. Nós temos por aqui muito bons atletas que se perdem por
falta de estruturas, de apoio. Nós ocupamos muito do nosso tempo a correr de um
lado para o outro pelo atletismo, e não somos só nós como também a própria
família que nos dá apoio.
(dL) - Foi muito importante para ti a tua família?
(GA) -Sem dúvida. Eu sentia-me sobretudo muito seguro quando olhava para a
bancada e via ali os meus pais a apoiar-me. Sabia que se as coisas não
corressem da melhor forma estavam ali para me socorrer, para me dar confiança,
além de saber que tinham muito prazer em ver-me competir ou treinar. Por isso,
são importantes as estruturas, porque nem sempre os pais, principalmente nos
dias de hoje, lhes dão o apoio de que carecem os filhos. Nem sempre também se
pode contar com o apoio de pessoas como o professor Eduardo, que quase não pôde
desfrutar do crescimento dos seus próprios filhos para me acompanhar o que não
pode deixar de ser sentido pela esposa e pelos filhos que já são bastante
crescidos e notam a ausência do pai.
(dL) - Estás arrependido de ter optado por uma carreira dentro do
atletismo ou sentes que cumpriste um sonho.
(GA) - Apesar de ter abdicado de muita coisa valeu a pena. É uma compensação
muito grande pertencer “à família do
atletismo”. Embora seja sempre um grupo restrito, divertimo-nos na mesma e,
depois, ter podido estar nos Jogos Olímpicos acho que paga tudo aquilo que nós
gostaríamos de fazer e não fizemos.
(dL) - Como se sente um atleta
ao entrar num Estádio Olímpico perante 85 000 pessoas, a representar o país,
como foi o teu caso em Atenas?
(GA) – Bem, eu quando fui aos Jogos ainda não tinha estado em
nenhuma competição a “sério” como o
campeonato da Europa ou do Mundo. Eu só comecei a tomar consciência do momento
quando me vi integrado na comitiva com a fatiota apropriada e quando cheguei à
aldeia olímpica e comecei a ver aqueles atletas que costumava ver na TV. Os
americanos, os jogadores de basquete, e das outras modalidades, eu disse para
mim “eu sou um deles, eu faço parte da
elite mundial de atletas, os melhores e este lugar na história ninguém já mo
pode tirar”. No dia da minha prova, ao aceder do túnel e ao olhar à minha volta
eu senti-me mesmo muito pequeninos perante pessoas que ali estavam oriundas de todas as partes do mundo a
assistir a uma competição daquelas, com a bandeira nacional a agitar-se no meio
da bancada e alguém a gritar o nome de Portugal. É indescritível e muito
gratificante.
(dL) - Essa emoção, esse estado de espírito, ajuda a obter bons resultados ou pode afectar
o desempenho
na prova?
(GA) - Ajuda sem dúvida à superação das nossas capacidades. Porém, há
depois a comunicação social que muitas vezes nos começa a cobrar ainda antes de
competir. Exigem-nos coisas que nós próprios à partida não estamos certos de
poder alcançar. E, pode parecer que não,
mas, colocam-nos um peso enorme em cima de
nós, porque, mais do que ninguém não queremos falhar. Nós quisemos estar numa
final, nós queremos ganhar uma medalha, queremos chegar ao lugar mais alto do pódio
e a CS põem-nos muitas vezes um peso tremendo antes da competição sobretudo
nas conferências de imprensa realizadas antes
das provas na aldeia olímpica.
(dL) - Vós incitais-vos muito uns aos outros, nos bastidores?
(GA) - Ah, sim há uma solidariedade muito grande entre todos. Porque nós
sabemos muito bem o que é a emoção de ganhar e o desgosto de perder. Sabemos o
que dói quando falhamos e como sabemos isso quando vemos um colega a quem as
coisas não correram bem nós estamos lá presentes para o ajudar, para o
consolar.
(dL) - Tens memória de alguém após um prova menos bem sucedida,na
sequência de um fracasso? Como reagiu perante o insucesso?
(GA) - Tenho e foi em Atenas, com a Fernanda Ribeiro. Ela tinha sido
finalista em 2000 e em Atenas para ela foi um desastre tremendo. E quando ela
saiu da prova estava completamente de rastos e a comunicação social não
perdoou, foi implacável. Nós já estamos
desfeitos e a CS não perdoar é para nós o desatino total e, o primeiro
pensamento que nos ocorre, é de abandonar, não sofrer mais e sentimos muito a
injustiça da CS. Ou ganha-se ou morre-se. E muitas vezes nós até podemos estar
bem, mas tropeçamos, temos um azar e
acabou.
(dL) - Qual é a tua melhor marca?
(GA) - Foi numa Taça da Europa, 8,10m. Fiz, nessa prova, 8,15m mas o vento
estava 2.1 que é considerado anti regulamentar, serve para ganhar a competição
mas como marca oficial não é homologada. O limite é 2.0. Eu tive o azar de 2.1
e no salto a seguir fiz os 8.10 com o vento a 1.1. e a marca foi oficializada.
Já repeti essa marca várias vezes 8.7., 8.5., 8m e em pista coberta, fui 5º em
Madrid em 2005. Foi esse também o meu melhor lugar a nível internacional, numa grande competição.
(dL) - Os desportistas entram em muitas provas internacionais, visitam muitos países. Há tempo para conhecer
alguma coisa desses locais, sem ser o aeroporto ou os hotéis e centros de
alojamento?
(GA) - Nos meetings contratados pelos
empresários não há tempo para visitas. É só avião, aeroporto, competição.
Chegamos no dia antes das provas, competimos, e, no dia seguinte de madrugada,
regressamos. Nas grandes competições temos sempre alguma disponibilidade depois
de terminadas, um dia ou dois que a Federação acaba sempre por nos conceder
para nos proporcionar alguns momentos de
conhecimento cultural, até porque não acarreta mais despesas. Claro que foi nos
Jogos Olímpicos onde estive mais tempo fora de Portugal. O local onde permaneci mais tempo foi em Macau. Tenho aqui a
medalhinha do 3º lugar, foi também uma competição importante, tenho outra dos jogos ibero-americanos 2008, no Chile,
esta no estádio Olímpico de Barcelona num triangular da selecção entre
Portugal, Finlândia e Catalunha. Consegui lá uma marca que se aproximou das dos
jogos olímpicos.
Um das "especiais" e "mais bonita", para Gaspar.
(dL) - De todas estas medalhas que ganhaste tens alguma a que concedas
mais predilecção, mais estimação, por ser mais marcante?
(GA) – Esta, por exemplo, da Gala
do Desporto, da Jovem Promessa de 2004, do Governo Civil de Viana do Castelo
por ter estado presente nos Jogos Olímpicos, e, também esta de Lanheses, que
foi recebida pelo meu pai porque estava ausente do país, pelos 25 anos da FPA.
Entre todas não é fácil escolher uma. Tenho aqui duas “foices” do Prémio “O Minhoto”, pelos títulos de
melhor atleta e revelação, ganho em 2005. São importantes a atribuição destes
prémios pelo incentivo que constituem para a prática da modalidade.
(dL) - É também uma forma de “obrigar” a CS a falar de atletismo…
(GA) - Com efeito, porque ajuda as pessoas a assistirem às provas e a
levarem os seus filhos retirando-os dos computadores, das redes sociais, dos
jogos de vídeo, TV. Se se fala de obesidade infantil e o desporto escolar
parece estar em decadência e sem muito
estímulo há que procurar outras alternativas. Está provado por estudos recentes
que os alunos que praticam desporto nas escolas obtêm melhores resultados do
que aqueles que não praticam. Além disso criam-se princípios de disciplina
importantes para a vida social e estimula-se a vontade de lutar por alguma coisa
que se deseja muito.
(dL) - Tem que se estimular a competitividade’
(GA) - Sem dúvida. É uma forma de experimentar aquilo que os orientadores
e os próprios pais pretendem transmitir aos seus filhos. Quando queremos alguma
coisa da vida temos que lutar por ela, aplicarmo-nos e, para seremos bons
naquilo que fazemos, temos de dar o nosso melhor. Esta opção pela redução do
número de horas na disciplina de educação física e acabar com a sua
contribuição para a nota é um desincentivo que leva ao abandono do desporto.
Por outro lado as universidades também não dão grande relevância ao desporto e
o Estatuto de Alta Competição que agora existe é muito pouco favorável aos
atletas, que não são vistos pelos professores com a atenção que mereciam,
aceitando mal o facto de nós dedicarmos muito tempo à nossa preparação e menos
assistência às aulas.
(dL) - Estudar depois de treinos demorados e cansativos é difícil?
(GA) - Muito. Temos que nos levantar muito cedo, ir às aulas, voltar aos
treinos e no fim estudar. É muito cansativo e estudar nestas condições exige
muita força de vontade. Quando se pretende relaxar um pouco para recuperar o
equilíbrio caímos muitas vezes no sono intermitente e o rendimento, claro,
ressente-se e a concentração não se consegue.
Fotos de companheiros, com autógrafo e dedicatória, numa revista.
(dL) - E a popularidade. O que é ser popular, conhecido do grande
público?
(GA) - Eu não me considero muito popular mas há muitos jovens ligados ao
atletismo que me conhecem e me cumprimentam sem eu saber quem são. Mas é muito
agradável que através do facebook ou
pessoalmente, me peçam conselhos sobre a prática do atletismo, me peçam
palpites para o que devem fazer para melhorar e isto é gratificante por
constatar que me consideram de certo modo uma referência para eles, mesmo que
não tenha conquistado grandes medalhas e projecção de grande vencedor. Vou
mesmo muitas vezes às escolas e instituições desportivas para falar com os
jovens.
(dL) - E Lanheses, tens recebido a atenção e o reconhecimento devidos
pelos teus êxitos por parte dos teus conterrâneos? É que “santos da casa…”
(GA) - As pessoas quando me abordam manifestam um reconhecimento muito
grande pelo que faço e eu, também tenho orgulho em levar o nome da nossa terra
por onde ando. É claro que toda a gente me conhece como atleta porque me viram
muitas vezes pelas nossas estradas e caminhos a treinar, a minha família e
muito conhecida e estimada no meio, as pessoas comentam os episódios da minha
carreira nos cafés e tertúlias, o que ajuda à divulgação da imagem do desporto
entre os jovens e as suas famílias com todas as vantagens para a modalidade do
atletismo e para a imagem da freguesia.
(dL) - Há o exemplo do recente êxito dos remadores limianos nos Jogos
de Londres.
(GA) - Sim, a chegada do Emanuel a Ponte de Lima juntou uma multidão para
o saudar e aplaudir e estes momentos interessam à comunicação social que lhes
dá muito destaque. É bom para a publicidade da terra mas também para o desporto
em geral e favorece a auto estima das pessoas criando-lhes a ilusão de que também eles se sentem parte do triunfo de um
dos seus conterrâneos.
(dL) - A maior parte das vezes, passado a euforia da festa, tudo passa
ao esquecimento.
(GA) - Sim, mas a fogueira deixa sempre algumas brasas que de tempos a
tempos voltam a reacender. Os atletas também não param e sempre vão aparecendo
em provas com mais ou menos frequência e voltam a ser falados.
(dL) - Existem no nosso concelho espaços suficientes para o
desenvolvimento do desporto?
(GA) - São bastantes reduzidas mas há algumas. Não me parece que haja um
aproveitamento racional e organizado do que existe. Havia vantagem em coordenar
todo o desporto para rentabilizar os equipamentos existentes, mas isso exige o
envolvimento de instituições e mais ainda de dirigentes.
(dL) - Como o João Rios, o fundador da Associação Humanitária e
Cultural de Lanheses e o primeiro impulsionador do atletismo em Lanheses?
(GA) – Sim, o João Rios foi um
grande impulsionador do atletismo no nosso meio através da Associação que criou
há mais de 26 anos e se mantém graças aos seus filhos Miguel e Hugo, embora
actualmente mais vocacionada para outras opções, como a música. Mas os clubes
locais deveriam interessar-se mais pelo fomento e prática do atletismo.
(dL) - Faltam líderes?
(GA) - As coisas dão muito trabalho e cada vez se torna mais difícil
encontrar pessoas com força de vontade para dar tempo a estas modalidades amadoras.
GASPAR ARAÚJO, SIMPLICIDADE E SIMPATIA.
(dL) - Deveriam ser, então, as
Associações, os clubes, a assumir essa actividade?
(GA) - Sim. Seria útil cativar os jovens da freguesia para o desporto
porque é importante para a formação individual e para a nossa sociedade e
contribuiria para o desenvolvimento local pelas vantagens que traria ao
comércio e para fundamentar a criação de novos equipamentos para a prática
desportiva, como por exemplo a construção de uma piscina. Mas, hoje em dia, as
coisas em termos de economia não se apresentam muito favoráveis à criação de
novos equipamentos desportivos. É aqui onde os cortes primeiro começam…
(dL) - Se este ano já foram reduzidos os apoios à nossa participação
olímpica…
(GA) - Em 2016, no Rio de Janeiro, poderá vir a ser muito pior.
(dL) - Lisboa já sonhou organizar uma competição olímpica em Portugal.
Será possível alguma vez isso acontecer?
(GA) - Será muito improvável que isso venha a verificar-se em Portugal pelo investimento colossal que
implicaria e pela falta de retorno que se verificaria. Seria ruinoso como o foi
para a Grécia, que se vê agora a braços com a manutenção de muitos equipamentos
construídos para os Jogos que não precisa para as suas necessidades actuais. Daí,
talvez, a verdadeira razão do seu colossal endividamento…
(dL) - Ao ponto de propor que os Jogos Olímpicos se realizassem sempre
na Grécia de quatro em quatro anos…
(GA) …com o objectivo de atenuar a tremenda influência negativa nas suas
contas públicas.É obvio que esta proposta foi rejeitada.
(dL) - Para Portugal meter-se numa aventura desta era um suicídio. Mas
seria uma grande contribuição para o desenvolvimento do atletismo em Portugal.
(GA) - Claro que sim. Nós, para arranjar patrocínios, precisamos da
imprensa para que fale de nós, para aparecermos na TV em reportagens directas.
Quando procuramos apoios o argumento que nos contrapõem é precisamente o de que
não beneficiámos de muito tempo para divulgação da nossa imagem e os sponsors não dão nada sem retorno, o que
se compreende. Por outro lado, são as próprias estações de TV a cobrar à
Federação quantias avultadas de trinta, quarenta mil euros, para a transmissão
de 10/20 minutos de provas em diferido, o que não acontece com outras
modalidades. Até os grandes clubes lutam actualmente com grande dificuldades
para conseguir obter patrocínios que lhes permitam manter os atletas em
actividade.
(dL) - Quem não aparece na TV não existe?
(GA) - Isso mesmo. Não somos vistos como nos podem patrocinar? Por outro
lado, para este país se levantar é preciso a bolinha circular…
(dL) -Voltamos para trás?
(GA) - Parece que sim, ao tempo em que os meus pais andavam de um lado
para o outro comigo e com colegas meus, gastando à sua custa as despesas com a
gasolina, suportando o desgaste da
viatura e as despesas da sua própria alimentação. E já agora o pagamento dos
equipamentos, que não são nada baratos
principalmente os ténis que não podem ser umas sapatilhas quaisquer pelos danos
que podem provocar fisicamente aos praticantes. E entram ainda de novo os
nossos pais, porque o investimento é urgente. Muitas vezes, nas nossas
deslocações, a minha mãe abdicou de me acompanhar e ao meu pai para dar vaga a
um atleta no carro para ele poder participar nas provas.
(dL) - Mas outros pais desistiram.
(GA) - Sim, por sorte os meus não desanimaram e deram-me todo o apoio de
que precisava para continuar.
(Entra a mãe do
Gaspar, com uma garrafa de água).
(dL) - Todas estas
medalhas têm, obviamente, uma história para contar?
(GA) - Sim, isto poderá nada dizer para quem as vê, mas, para mim, cada
uma delas é um bocadinho da minha vida e
representa muito esforço, sofrimento, trabalho, mas também muito orgulho por
tudo aquilo que vivi e consegui. Têm muito de mim, e isto toca-me bem fundo.
GASPAR COM O PAI, JOAQUIM ARAÚJO.
«»«»«»«»«»«»«»«»«»«»«»«»«»«
Falámos ainda algum tempo de algumas delas, especialmente as que se
relacionam com provas importantes, e que o Gaspar recorda com muita satisfação.
Terminámos esta viagem pela vida desportiva do Gaspar Araújo a falar do
Senhor Professor Moniz Pereira a grande personagem do atletismo do Sporting
Clube de Portugal e do desporto nacional, por quem o Gaspar nutre grande
respeito e admiração elogiando os seus excepcionais serviços prestados a um
elevadíssimo número de atletas e pelas facetas que o tornaram um homem
respeitado por todos os desportistas em Portugal e até no estrangeiro.
Agradeço ao Gaspar, por ter
podido gravar esta grande conversa que poderíamos certamente continuar por muito mais
tempo se não fosse o risco de abusar da sua amabilidade e da
simpatia e da paciência com que me
recebeu. Resta-me desejar-lhe boa sorte,
não somente na carreira de atleta de
alta competição que vai manter, espero que com o mesmo brilhantismo alcançado
até agora, mas, principalmente, na sua vida futura e na da sua família que
muito preso e estimo.
(Texto e fotos do autor - Sem obediência ao Acordo Ortográfico, por opção)
O autor do blogue e o atleta posam para a posteridade.
Como se diz na gíria de agora: "Brutal"!
ResponderEliminarÉ mais um trabalho exímio do "doLethes" e do senhor Remígio, que o Gaspar merece. Contra tudo e contra todas as profecias de há 20 anos atrás, emergiu até onde ninguém de Lanheses tinha conseguido chegar, ao nível do desporto (e muito menos do atletismo).
Gostei francamente destes minutos de leitura.
Obrigado ao Gaspar pela referência a uma humilde contribuição.
Parabens Gaspar pela tua carreira desportiva. è gratificante ver que apesar do exito, as origens não foram esquecidas. Os tempos da Associação Humanitaria e Cultural de Lanheses eram certamente muito diferentes dos tempos de agora, mas sem esses bons tempos nada do presente teria certamante acontecido. Os treinos no "Arquinho" e pelos caminhos de Lanheses, muitas vezes de noite eás escuras, valeram a pena.
ResponderEliminarTudo isto leva-me tambem a lançar um desafia à freguesia: Não estará na altura de uma justa e merecida homenagem ao saudoso João Rios, pelo trabalho abnegado e gratuito, com prejuizo para a familia, que em nome da sua terra efectuou?
Um abraço
José Duarte (o 2º irmão do Seixô)
PS. foram só dois irmãos ligados ao atletismo, o terceiro dedicou-se a outras coisas.
Bom jornalismo Remigio Costa. Parabens
ResponderEliminarMuitos parabéns Sr Remígio,
ResponderEliminarnão sou muito fã de leitura de entrevistas, mas esta prendeu-me por completo. Excelente trabalho mesmo.
Mais uma vez parabéns, ao Gaspar por representar o nosso país na sua modalidade, e a si Sr. Remígio por nos facultar estes momentos de boa leitura.
Beijinhos
Silvia Pereira (filha de David Pereira :-)