segunda-feira, 17 de setembro de 2012

GASPAR ARAÚJO, O OLÍMPICO NATURAL DE LANHESES.



GASPAR ARAÚJO,  ENTREVISTADO PELO DOLETHES

 


 GASPAR ARAÚJO, envergando a camisola de PORTUGAL.

 GASPAR ARAÚJO, nasceu e reside em Lanheses (Viana do Castelo), onde iniciou a prática do atletismo que o levaria ao mais alto nível competitivo e à representação de Portugal nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004.

 

Aceitou falar da sua vida desportiva numa conversa quase informal onde os assuntos foram discorrendo com naturalidade, num desfiar de recordações e factos que enchem o seu vasto e rico currículo no desporto português.

DoLethes (dL): Emergindo de um meio sem tradição e estruturas vocacionadas para a prática do atletismo, como se consegue fazer uma carreira recheada de êxitos como tu conseguiste?

Gaspar Araújo (GA): Isto principiou por altura da escola primária quando o falecido João Rios, então Presidente da Associação Humanitária e Cultural de Lanheses, organizou o Grande Prémio aqui na freguesia, acho que foi já na altura o segundo, e a minha professora  D.Glória pediu para que os alunos participassem todos e foi ela que me inscreveu. Na altura, treinávamos no campo de futebol do UD de Lanheses e estavam connosco os três irmãos Castro,  do lugar do Seixô, o mais velho dos quais, o Carlos,  praticava  e era o responsável pelo grupo. Foi ele o meu primeiro treinador
           Portanto, isto principiou aqui por Lanheses, a treinar aí pela estrada, assim um pouco por brincadeira e para ocupar o tempo nos intervalos da escola. Fazíamos algumas deslocações para participar em provas, em Braga, por aí, 

 GASPAR ARAÚJO, numa demonstração da sua especialidade, no Parque Verde, em Lanheses. (2 Setembro 2012).


(dL) - Os teus pais tiveram uma participação muito grande no teu empenhamento pelo atletismo?

(GA) - Andaram muitas  fins de semana completos comigo de um lado para o outro por causa da minha participação em competições. Não apenas comigo mas transportando outros companheiros como o Paulo Quintas, o Zé Lopes, o Paulo Rio que também foi um  atleta com muito empenhado e com valor.

(dL) -Mas só tu prosseguiste uma carreira no atletismo?

 (GA) -  Eu e o Paulo Rio fomos os que mais nos aplicámos no atletismo. O Paulo optou, porém, por terminar a faculdade e eu, talvez por um  pouco de teimosia e também por influência do meu orientador, o professor Eduardo  Fonseca, fomos acreditando que haveria algo mais que eu poderia tentar fazer. É claro que qualquer atleta alimenta o sonho de um dia participar nos grandes meeting como os Jogos Olímpicos, uma ambição de qualquer desportista amador como nós somos. Estarmos presente num acontecimento da projecção de uns Jogos Olímpicos é sempre um referência incontornável para nós.

(dL) - Falaste no professor Fonseca. Porque aparece ele como teu treinador?

(GA) -  O professor foi atleta muito empenhado não tendo atingido porém cotação internacional e terá visto em mim a possibilidade de alcançar essa aspiração através da minha carreira,  prestando-me o apoio e os seus muitos conhecimento profissionais indispensáveis para o conseguir, estando já comigo vai para quatro anos.

 (dL) -Entretanto foste estudando?

(GA) - Fui tirando umas cadeiritas, ia dois, três meses à Faculdade. Quando era preciso preparar mais a sério parava tudo;  eu passava a vida no Estádio, em Viana (Manuela Machado) treinando cerca de seis a oito horas por dia. Em pista, a partir do ano 2000. O meu treinador que era professor na Escola Secundaria de Lanheses, foi entretanto destacado para exercer funções na Associação de Atletismo de Viana, passando depois  a exercer funções na Câmara Municipal , na secção de desporto, e, a partir daí as coisas tomaram um rumo diferente. Com a conclusão do Estádio Municipal passamos a ter melhores condições de trabalho pois eu, até aí, treinava em terra e em estrada.


 Demonstração do salto em comprimento num terreno improvisado.

(dL) - Estavam reunidas as condições mínimas para a prática do atletismo de alta competição?

(GA) -  Claro. Antes, para utilizar pistas de tartan, teríamos que nos deslocar a Braga ou à Maia. No fundo, esta falta de condições locais, era até estímulo para nos obrigar a ser mais exigentes em relação ao treino e, além disso, nós portugueses, temos  essa capacidade de nos adaptar e trabalhar com aquilo que temos. Por outro lado, a conjuntura em que se move o desporto do atletismo em Portugal nunca foi muito favorável à sua prática e divulgação popular. Mas nós, por carolice, sempre fomos batendo os obstáculos que nos apareciam e apesar disso conseguimos muitos êxitos para o nosso país, como o provam as medalhas alcançadas pelos desportistas portugueses.

(dL) - Como simples seguidor do desporto julgo que o atletismo já teve melhores dias em termos de resultados e êxitos individuais dos praticantes do que actualmente. O que pensas sobre isso?

(GA) -  Sim, penso que a modalidade tem vindo a diminuir na sua visibilidade, se consideramos o que ele foi entre 2003 a 2006, onde pontificavam atletas como Rui Silva, Fernanda Ribeiro, as irmãs Sacramento , Manuela Machado,  e alguns  outros atletas que dispunham de boas condições para se prepararem. Nós fazemos muitas viagens e trabalhamos oito horas diárias com a preparação, e,  para a nossa estabilidade emocional e encargos precisámos de apoios, para fazer bem aquilo de que gostámos. Além disso temos a barreira da idade que em termos técnicos se situa entre os 30/35 anos, com excepção dos fundistas que podem prolongar uma carreira com êxitos por mais alguns anos, alguns deles quase até à idade de reforma. No salto não é a mesma coisa. A partir de 2007 o panorama deteriorou-se não obstante a medalha conseguida pelo Nelson Évora nos Jogos Olímpicos de Pequim, mas nessa altura já tudo não corria da melhor forma para nós. Todavia, os que não tiveram êxito continuaram a trabalhar muito para lá chegar, sujeitando-se às medidas de contenção de meios impostas pela FPA, atendendo que levar oito dezenas de atletas aos jogos olímpicos não é nada barato. Disto resultou que para limitar um pouco o número de atletas naquelas competições, foram elevados os valores dos mínimos exigidos, excluindo deste modo atletas que, embora na fase de apuramento não os conseguissem mas, em competição poderiam via a superá-las, até. Numa competição tudo pode acontecer.

 Alguns dos troféus conquistados no decorrer da carreira.

(dL) – Todavia, não podem deixar de existir marcas mínimas?

(GA) - É óbvio que há necessidade de estabelecer mínimos porque não faria sentido ver atletas em pista a serem dobrados sucessivamente. O que é lamentável é impedir que seja por esta forma  que sejam impedidos atletas de participarem.

(dL) -  Como encaras a falta de entusiasmo que a participação dos atletas portugueses nos Jogos Olímpicos de Londres parece ter ocorrido na comunicação social e, por reflexo, no próprio público em geral? Não achas injusto que se meçam resultados entre países quando as condições de participação são impossíveis de comparar dadas as assimetrias dos apoios de que cada um beneficia?

(GA) - Sem dúvida muito injustas, embora aqui em Portugal já existam condições bastante aceitáveis para a prática do atletismo, sobretudo a nível dos equipamentos. Em Lisboa, (Jamor)  Rio Maior e em Vila Real de Santo António, onde eu ia estagiar três ou quatro vezes por ano. Há ainda o Estádio de Leiria, com um a pista muito boa onde já se realizaram campeonatos mas que corre o risco de vir a ser extinta com a venda do recinto

(dL) -  O investimento é suficiente?

(GA) - Bem, o atletismo  gera bastante despesa. É a água, há gás a consumir, a manutenção dos espaços que custam muito dinheiro. Por outro lado há os atletas com muitas horas de treino, onde podem ocorrer lesões que são tratadas à nossa custa, muito embora eu tenha tido o apoio prestimoso do dr. Carlos Rio nas minhas várias lesões que sofri e que ele com a sua competência me ajudou a superar.

(dL) - São muito frequentes e graves as lesões no tua especialidade (salto em comprimento)?

 (GA) -  Sim, são muito. Tanto ósseas como musculares. Repare-se que, nos treinos, chegámos a executar 800 (!) saltos, o que multiplicado por dias, semanas e meses dá um número muito grande. São muito os impactos a que estamos sujeitos.





(dL) - Relativamente aos clubes que representaste quais os que actualmente oferecem melhores condições para a prática da modalidade?

(GA) - Sem dúvida o Sporting e o Benfica os que mais apostam nesta altura no atletismo. O FC Porto teve também uma fase de bastante interesse mas a limitação de atletas estrangeiros imposta pela Federação não foi bem aceite pelo clube nortenho  e este extinguiu a secção, o que, em termos de expansão da modalidade, foi um perda importante dada a dimensão do FC Porto no espectro do desporto nacional. Era um grande clube a menos interessado em praticar atletismo.

(dL) – As grandes massas em Portugal não aderem aos espectáculos de atletismo?

 DIPLOMA DA PARTICIPAÇÃO OLÍMPICA.

(GA) - O curioso é que nos campeonatos da Europa disputado em 2005, em Leiria, foi anunciado na TV, rádios, jornais, autarquias locais, foram oferecidos bilhetes às crianças das escolas, para verem uma competição onde estavam os melhores atletas europeus das várias selecções, mas, infelizmente, o estádio encontrava-se completamente vazio, quase “às moscas”,  quando os bilhetes eram “de borla”. E isso entristece-nos um bocadinho, porque  só se fala de futebol, a comunicação social não dá relevância a estas provas e, depois, aparece para “nos dar nas orelhas”, quando as coisas correm menos bem. Quando tudo corre bem é só palminhas nas costas, muitos parabéns, elogios, entrevistas; quando acontece o contrário somos uma vergonha, andámos a gastar o dinheiro dos contribuintes, somos uma vergonha, o que é muito injusto para nós. 

(dL) – No que se refere  aos treinos. Como de preparas actualmente?

(GA) - Estando em Aveiro a estudar entro todos os dias em contacto com o professor Eduardo; ele estabelece o plano para o treino do dia e, no dia seguinte, volto a telefonar-lhe para lhe dar conta de como decorreu o treino, o que fiz e se foram cumpridos os objectivos por ele  programados. 


CAMISOLA DA SELECÇÃO, ENTRE MAIS RECORDAÇÕES.


(dL) - Falando de objectivos: prevendo ainda mais quatro ou cinco anos para continuares  a actividade competitiva ao mais alto nível que metas ou objectivos pensas ainda atingir?


(GA) - Bem, eu tenho de compreender que a minha capacidade competitiva nesta especialidade já não pode ser a mesma com a idade que já tenho (30 anos), pelo que terei de fazer uma gestão adequada da minha carreira. Claro que continuarei a manter interesse em estar presente nos campeonatos da Europa, no campeonato do mundo e, quem sabe, nos próprios jogos Olímpicos. Isto porque não faltam exemplos de  campeões  olímpico com 36 anos, como aconteceu este ano em Londres,  um atleta italiano foi 2º ou 3º não estou bem certo, e tem aquela idade, sendo medalhado. O “bichinho “ pelo atletismo não vai morrer dentro de mim. Naturalmente tudo vai depender da resposta do corpo e, naturalmente, a paciência do professor Eduardo Fonseca  para me acompanhar porque é muito importante o treinador estar sempre na rectaguarda

(dL) - Que futuro para ti dentro do atletismo? Projectos pós-carreira tens em mente?

(dL) - Eu escolhi  Fisioterapia para continuar ligado ao atletismo nesta especialidade e tenho como meta ficar ligado, nesta condição, à Federação Portuguesa de Atletismo. São 25 de ligação ao atletismo, é uma vida inteira e o que  acaba por ser a minha própria vida. E poder continuar ligado a ele será sem dúvida o meu grande sonho. 

                                   Uma carreira de muitos êxitos.

(dL) – Pensaste, alguma vez,  poder vir a desempenhar um papel relevante nas estruturas do atletismo regional?

(GA) - Também. Nós temos por aqui muito bons atletas que se perdem por falta de estruturas, de apoio. Nós ocupamos muito do nosso tempo a correr de um lado para o outro pelo atletismo, e não somos só nós como também a própria família que nos dá apoio.

(dL) - Foi muito importante para ti a tua família?

(GA) -Sem dúvida. Eu sentia-me sobretudo muito seguro quando olhava para a bancada e via ali os meus pais a apoiar-me. Sabia que se as coisas não corressem da melhor forma estavam ali para me socorrer, para me dar confiança, além de saber que tinham muito prazer em ver-me competir ou treinar. Por isso, são importantes as estruturas, porque nem sempre os pais, principalmente nos dias de hoje, lhes dão o apoio de que carecem os filhos. Nem sempre também se pode contar com o apoio de pessoas como o professor Eduardo, que quase não pôde desfrutar do crescimento dos seus próprios filhos para me acompanhar o que não pode deixar de ser sentido pela esposa e pelos filhos que já são bastante crescidos e notam a ausência do pai. 

(dL) - Estás arrependido de ter optado por uma carreira dentro do atletismo ou sentes que cumpriste um sonho. 

(GA) - Apesar de ter abdicado de muita coisa valeu a pena. É uma compensação muito grande pertencer “à família do atletismo”. Embora seja sempre um grupo restrito, divertimo-nos na mesma e, depois, ter podido estar nos Jogos Olímpicos acho que paga tudo aquilo que nós gostaríamos de fazer e não fizemos. 

(dL) -  Como se sente um atleta ao entrar num Estádio Olímpico perante 85 000 pessoas, a representar o país, como foi o teu caso em Atenas?

(GA) – Bem,  eu quando  fui aos Jogos ainda não tinha estado em nenhuma competição a “sério” como o campeonato da Europa ou do Mundo. Eu só comecei a tomar consciência do momento quando me vi integrado na comitiva com a fatiota apropriada e quando cheguei à aldeia olímpica e comecei a ver aqueles atletas que costumava ver na TV. Os americanos, os jogadores de basquete, e das outras modalidades, eu disse para mim “eu sou um deles, eu faço parte da elite mundial de atletas, os melhores e este lugar na história ninguém já mo pode tirar”. No dia da minha prova, ao aceder do túnel e ao olhar à minha volta eu senti-me mesmo muito pequeninos perante pessoas que ali estavam  oriundas de todas as partes do mundo a assistir a uma competição daquelas, com a bandeira nacional a agitar-se no meio da bancada e alguém a gritar o nome de Portugal. É indescritível e muito gratificante.

(dL) - Essa emoção, esse estado de espírito,  ajuda a obter bons resultados ou pode afectar o desempenho na prova?

(GA) - Ajuda sem dúvida à superação das nossas capacidades. Porém, há depois a comunicação social que muitas vezes nos começa a cobrar ainda antes de competir. Exigem-nos coisas que nós próprios à partida não estamos certos de poder alcançar. E, pode parecer  que não,  mas, colocam-nos um peso enorme em cima de nós, porque, mais do que ninguém não queremos falhar. Nós quisemos estar numa final, nós queremos ganhar uma medalha, queremos chegar ao lugar mais alto do pódio  e a CS põem-nos muitas vezes um  peso tremendo antes da competição sobretudo nas conferências de imprensa  realizadas antes das provas  na aldeia olímpica.

(dL) - Vós incitais-vos muito uns aos outros, nos bastidores?

(GA) - Ah, sim há uma solidariedade muito grande entre todos. Porque nós sabemos muito bem o que é a emoção de ganhar e o desgosto de perder. Sabemos o que dói quando falhamos e como sabemos isso quando vemos um colega a quem as coisas não correram bem nós estamos lá presentes para o ajudar, para o consolar. 





(dL) - Tens memória de alguém após um prova menos bem sucedida,na sequência de um fracasso? Como reagiu perante o insucesso?

(GA) - Tenho e foi em Atenas, com a Fernanda Ribeiro. Ela tinha sido finalista em 2000 e em Atenas para ela foi um desastre tremendo. E quando ela saiu da prova estava completamente de rastos e a comunicação social não perdoou, foi implacável.  Nós já estamos desfeitos e a CS não perdoar é para nós o desatino total e, o primeiro pensamento que nos ocorre, é de abandonar, não sofrer mais e sentimos muito a injustiça da CS. Ou ganha-se ou morre-se. E muitas vezes nós até podemos estar bem, mas tropeçamos, temos um azar  e acabou.

(dL) - Qual é a tua melhor marca?

(GA) - Foi numa Taça da Europa, 8,10m. Fiz, nessa prova, 8,15m mas o vento estava 2.1 que é considerado anti regulamentar, serve para ganhar a competição mas como marca oficial não é homologada. O limite é 2.0. Eu tive o azar de 2.1 e no salto a seguir fiz os 8.10 com o vento a 1.1. e a marca foi oficializada. Já repeti essa marca várias vezes 8.7., 8.5., 8m e em pista coberta, fui 5º em Madrid em 2005. Foi esse também o meu melhor lugar a nível internacional, numa  grande competição. 

(dL) - Os desportistas entram em muitas provas internacionais,  visitam muitos países. Há tempo para conhecer alguma coisa desses locais, sem ser o aeroporto ou os hotéis e centros de alojamento?

(GA) - Nos meetings contratados pelos empresários não há tempo para visitas. É só avião, aeroporto, competição. Chegamos no dia antes das provas, competimos, e, no dia seguinte de madrugada, regressamos. Nas grandes competições temos sempre alguma disponibilidade depois de terminadas, um dia ou dois que a Federação acaba sempre por nos conceder para  nos proporcionar alguns momentos de conhecimento cultural, até porque não acarreta mais despesas. Claro que foi nos Jogos Olímpicos onde estive mais tempo fora de Portugal.  O local onde permaneci  mais tempo foi em Macau. Tenho aqui a medalhinha do 3º lugar, foi também uma competição importante, tenho outra  dos jogos ibero-americanos 2008, no Chile, esta no estádio Olímpico de Barcelona num triangular da selecção entre Portugal, Finlândia e Catalunha. Consegui lá uma marca que se aproximou das dos jogos olímpicos.


 Um das "especiais" e "mais bonita", para Gaspar.


(dL) - De todas estas medalhas que ganhaste tens alguma a que concedas mais predilecção, mais estimação, por ser mais marcante?

(GA) – Esta, por exemplo,  da Gala do Desporto, da Jovem Promessa de 2004, do Governo Civil de Viana do Castelo por ter estado presente nos Jogos Olímpicos, e, também esta de Lanheses, que foi recebida pelo meu pai porque estava ausente do país, pelos 25 anos da FPA. Entre todas não é fácil escolher uma. Tenho aqui duas “foices” do Prémio “O Minhoto”, pelos títulos de melhor atleta e revelação, ganho em 2005. São importantes a atribuição destes prémios pelo incentivo que constituem para a prática da modalidade. 

(dL) - É também uma forma de “obrigar” a CS a falar de atletismo…

(GA) - Com efeito, porque ajuda as pessoas a assistirem às provas e a levarem os seus filhos retirando-os dos computadores, das redes sociais, dos jogos de vídeo, TV. Se se fala de obesidade infantil e o desporto escolar parece estar em decadência  e sem muito estímulo há que procurar outras alternativas. Está provado por estudos recentes que os alunos que praticam desporto nas escolas obtêm melhores resultados do que aqueles que não praticam. Além disso criam-se princípios de disciplina importantes para a vida social e estimula-se a vontade de lutar por alguma coisa que se deseja muito.

(dL) - Tem que se estimular a competitividade’

 (GA) - Sem dúvida. É uma forma de experimentar aquilo que os orientadores e os próprios pais pretendem transmitir aos seus filhos. Quando queremos alguma coisa da vida temos que lutar por ela, aplicarmo-nos e, para seremos bons naquilo que fazemos, temos de dar o nosso melhor. Esta opção pela redução do número de horas na disciplina de educação física e acabar com a sua contribuição para a nota é um desincentivo que leva ao abandono do desporto. Por outro lado as universidades também não dão grande relevância ao desporto e o Estatuto de Alta Competição que agora existe é muito pouco favorável aos atletas, que não são vistos pelos professores com a atenção que mereciam, aceitando mal o facto de nós dedicarmos muito tempo à nossa preparação e menos assistência às aulas.

(dL) - Estudar depois de treinos demorados e cansativos é difícil?

(GA) - Muito. Temos que nos levantar muito cedo, ir às aulas, voltar aos treinos e no fim estudar. É muito cansativo e estudar nestas condições exige muita força de vontade. Quando se pretende relaxar um pouco para recuperar o equilíbrio caímos muitas vezes no sono intermitente e o rendimento, claro, ressente-se e a concentração não se consegue. 

 Fotos de companheiros, com autógrafo e dedicatória, numa revista.


(dL) - E a popularidade. O que é ser popular, conhecido do grande público? 

(GA) - Eu não me considero muito popular mas há muitos jovens ligados ao atletismo que me conhecem e me cumprimentam sem eu saber quem são. Mas é muito agradável que através do facebook ou pessoalmente, me peçam conselhos sobre a prática do atletismo, me peçam palpites para o que devem fazer para melhorar e isto é gratificante por constatar que me consideram de certo modo uma referência para eles, mesmo que não tenha conquistado grandes medalhas e projecção de grande vencedor. Vou mesmo muitas vezes às escolas e instituições desportivas para falar com os jovens.

(dL) - E Lanheses, tens recebido a atenção e o reconhecimento devidos pelos teus êxitos por parte dos teus conterrâneos? É que “santos da casa…”

(GA) - As pessoas quando me abordam manifestam um reconhecimento muito grande pelo que faço e eu, também tenho orgulho em levar o nome da nossa terra por onde ando. É claro que toda a gente me conhece como atleta porque me viram muitas vezes pelas nossas estradas e caminhos a treinar, a minha família e muito conhecida e estimada no meio, as pessoas comentam os episódios da minha carreira nos cafés e tertúlias, o que ajuda à divulgação da imagem do desporto entre os jovens e as suas famílias com todas as vantagens para a modalidade do atletismo e para a imagem da freguesia.

(dL) - Há o exemplo do recente êxito dos remadores limianos nos Jogos de Londres.

(GA) - Sim, a chegada do Emanuel a Ponte de Lima juntou uma multidão para o saudar e aplaudir e estes momentos interessam à comunicação social que lhes dá muito destaque. É bom para a publicidade da terra mas também para o desporto em geral e favorece a auto estima das pessoas criando-lhes  a ilusão de que  também eles se sentem parte do triunfo de um dos seus conterrâneos

(dL) - A maior parte das vezes, passado a euforia da festa, tudo passa ao esquecimento.

(GA) - Sim, mas a fogueira deixa sempre algumas brasas que de tempos a tempos voltam a reacender. Os atletas também não param e sempre vão aparecendo em provas com mais ou menos frequência e voltam a ser falados. 

(dL) - Existem no nosso concelho espaços suficientes para o desenvolvimento do desporto?

(GA) - São bastantes reduzidas mas há algumas. Não me parece que haja um aproveitamento racional e organizado do que existe. Havia vantagem em coordenar todo o desporto para rentabilizar os equipamentos existentes, mas isso exige o envolvimento de instituições e mais ainda de dirigentes.

(dL) - Como o João Rios, o fundador da Associação Humanitária e Cultural de Lanheses e o primeiro impulsionador do atletismo em Lanheses?

(GA) – Sim,  o João Rios foi um grande impulsionador do atletismo no nosso meio através da Associação que criou há mais de 26 anos e se mantém graças aos seus filhos Miguel e Hugo, embora actualmente mais vocacionada para outras opções, como a música. Mas os clubes locais deveriam interessar-se mais pelo fomento e prática do atletismo.

(dL) - Faltam líderes?

(GA) - As coisas dão muito trabalho e cada vez se torna mais difícil encontrar pessoas com força de vontade para dar tempo a estas  modalidades amadoras.


 GASPAR ARAÚJO, SIMPLICIDADE E SIMPATIA.


(dL) - Deveriam ser, então,  as Associações, os clubes, a assumir essa actividade?

(GA) - Sim. Seria útil cativar os jovens da freguesia para o desporto porque é importante para a formação individual e para a nossa sociedade e contribuiria para o desenvolvimento local pelas vantagens que traria ao comércio e para fundamentar a criação de novos equipamentos para a prática desportiva, como por exemplo a construção de uma piscina. Mas, hoje em dia, as coisas em termos de economia não se apresentam muito favoráveis à criação de novos equipamentos desportivos. É aqui onde os cortes primeiro começam…

(dL) - Se este ano já foram reduzidos os apoios à nossa participação olímpica…

 (GA) - Em 2016, no Rio de Janeiro, poderá vir a ser muito pior. 

(dL) - Lisboa já sonhou organizar uma competição olímpica em Portugal. Será possível alguma vez isso acontecer?

(GA) - Será muito improvável que isso venha a verificar-se  em Portugal pelo investimento colossal que implicaria e pela falta de retorno que se verificaria. Seria ruinoso como o foi para a Grécia, que se vê agora a braços com a manutenção de muitos equipamentos construídos para os Jogos que não precisa para as suas necessidades actuais. Daí, talvez, a verdadeira razão do seu colossal endividamento…

(dL) - Ao ponto de propor que os Jogos Olímpicos se realizassem sempre na Grécia de quatro em quatro anos…

(GA) …com o objectivo de atenuar a tremenda influência negativa nas suas contas públicas.É obvio que esta proposta foi rejeitada. 

(dL) - Para Portugal meter-se numa aventura desta era um suicídio. Mas seria uma grande contribuição para o desenvolvimento do atletismo em Portugal.

(GA) - Claro que sim. Nós, para arranjar patrocínios, precisamos da imprensa para que fale de nós, para aparecermos na TV em reportagens directas. Quando procuramos apoios o argumento que nos contrapõem é precisamente o de que não beneficiámos de muito tempo para divulgação da nossa imagem e os sponsors não dão nada sem retorno, o que se compreende. Por outro lado, são as próprias estações de TV a cobrar à Federação quantias avultadas de trinta, quarenta mil euros, para a transmissão de 10/20 minutos de provas em diferido, o que não acontece com outras modalidades. Até os grandes clubes lutam actualmente com grande dificuldades para conseguir obter patrocínios que lhes permitam manter os atletas em actividade.

(dL) - Quem não aparece na TV não existe?

(GA) - Isso mesmo. Não somos vistos como nos podem patrocinar? Por outro lado, para este país se levantar é preciso a bolinha circular…

(dL) -Voltamos para trás?

(GA) - Parece que sim, ao tempo em que os meus pais andavam de um lado para o outro comigo e com colegas meus, gastando à sua custa as despesas com a gasolina, suportando  o desgaste da viatura e as despesas da sua própria alimentação. E já agora o pagamento dos equipamentos, que não são  nada baratos principalmente os ténis que não podem ser umas sapatilhas quaisquer pelos danos que podem provocar fisicamente aos praticantes. E entram ainda de novo os nossos pais, porque o investimento é urgente. Muitas vezes, nas nossas deslocações, a minha mãe abdicou de me acompanhar e ao meu pai para dar vaga a um atleta no carro para ele poder participar nas provas.

(dL) - Mas outros pais desistiram.

(GA) - Sim, por sorte os meus não desanimaram e deram-me todo o apoio de que precisava para continuar. 

(Entra a mãe do Gaspar, com uma garrafa de água).

(dL) - Todas estas medalhas têm, obviamente, uma história para contar?

(GA) - Sim, isto poderá nada dizer para quem as vê, mas, para mim, cada uma delas é um  bocadinho da minha vida e representa muito esforço, sofrimento, trabalho, mas também muito orgulho por tudo aquilo que vivi e consegui. Têm muito de mim, e isto toca-me bem fundo. 


                                     
 GASPAR COM O PAI, JOAQUIM ARAÚJO.


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 Falámos ainda algum tempo de algumas delas, especialmente as que se relacionam com provas importantes, e que o Gaspar recorda com muita satisfação.
Terminámos esta viagem pela vida desportiva do Gaspar Araújo a falar do Senhor Professor Moniz Pereira a grande personagem do atletismo do Sporting Clube de Portugal e do desporto nacional, por quem o Gaspar nutre grande respeito e admiração elogiando os seus excepcionais serviços prestados a um elevadíssimo número de atletas e pelas facetas que o tornaram um homem respeitado por todos os desportistas em Portugal e até no estrangeiro.
Agradeço ao  Gaspar, por ter podido gravar esta  grande conversa que  poderíamos certamente continuar por muito mais tempo se não fosse o risco de abusar da sua amabilidade e da simpatia  e da paciência com que me recebeu. Resta-me desejar-lhe  boa sorte, não somente na  carreira de atleta de alta competição que vai manter, espero que com o mesmo brilhantismo alcançado até agora, mas, principalmente, na sua vida futura e na da sua família que muito preso e estimo.

(Texto e fotos do autor - Sem obediência ao Acordo Ortográfico, por opção)

 O autor do blogue e o atleta posam para a posteridade.

4 comentários:

  1. Como se diz na gíria de agora: "Brutal"!
    É mais um trabalho exímio do "doLethes" e do senhor Remígio, que o Gaspar merece. Contra tudo e contra todas as profecias de há 20 anos atrás, emergiu até onde ninguém de Lanheses tinha conseguido chegar, ao nível do desporto (e muito menos do atletismo).
    Gostei francamente destes minutos de leitura.
    Obrigado ao Gaspar pela referência a uma humilde contribuição.

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  2. Parabens Gaspar pela tua carreira desportiva. è gratificante ver que apesar do exito, as origens não foram esquecidas. Os tempos da Associação Humanitaria e Cultural de Lanheses eram certamente muito diferentes dos tempos de agora, mas sem esses bons tempos nada do presente teria certamante acontecido. Os treinos no "Arquinho" e pelos caminhos de Lanheses, muitas vezes de noite eás escuras, valeram a pena.
    Tudo isto leva-me tambem a lançar um desafia à freguesia: Não estará na altura de uma justa e merecida homenagem ao saudoso João Rios, pelo trabalho abnegado e gratuito, com prejuizo para a familia, que em nome da sua terra efectuou?
    Um abraço

    José Duarte (o 2º irmão do Seixô)

    PS. foram só dois irmãos ligados ao atletismo, o terceiro dedicou-se a outras coisas.

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  3. Bom jornalismo Remigio Costa. Parabens

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  4. Muitos parabéns Sr Remígio,

    não sou muito fã de leitura de entrevistas, mas esta prendeu-me por completo. Excelente trabalho mesmo.
    Mais uma vez parabéns, ao Gaspar por representar o nosso país na sua modalidade, e a si Sr. Remígio por nos facultar estes momentos de boa leitura.

    Beijinhos

    Silvia Pereira (filha de David Pereira :-)

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