domingo, 24 de abril de 2011

ALELUIA, ALELUIA!



             Ainda não se abriu a cortina que impede a luz do Sol de inundar de claridade o dia que vai nascer, mas por todo o Vale do Lima, de Oriente ao Ocidente, se ouve já o estralejar  dos foguetes e o tocar dos sinos das Igrejas a anunciar a Aleluia. É o pronúncio do início da visita pascal com o séquito do Compasso a percorrer os caminhos dos lugares da aldeia, levando Cristo Ressuscitado a abençoar os lares e a anunciar a Paz e a Alegria da Páscoa.

           À frente das casas o chão está atapetado de ramos verdes de fruncho e bucho e pétalas de flores e as  portas abrem-se, francas e amáveis, aos familiares e amigos a que se juntam outras pessoas menos íntimas e até estranhas aos  proprietários, associando-se aos grupos que entretanto se foram formando enganando o tempo de espera em conversas animadas sobre tudo e nada . Aos poucos cresce o ribombar dos bombos e, logo a seguir, em passo estugado e sorriso aberto, aí está o senhor abade e o mordomo da cruz. 

    À entrada da porta esperam-no os donos da casa a quem o senhor padre em primeiro lugar cumprimenta e, entrando, vai proferindo as palavras que definem o objecto da visita: "Paz a esta casa e a todos que nela habitam", enquanto que com o hissope asperge água benta pela sala principal da habitação onde se encontra "a mesa da Páscoa". Entretanto, já um coro espontâneo se ouvia numa Aleluia de saudação à Ressurreição de Cristo Redentor, enquanto o anfitrião oferece a melhor cadeira junto à mesa ao pároco e ao mordomo, instando-os a tomar um cálice de vinho fino. É nesta altura que os filhos mais jovens do casal se acercam do senhor abade e lhe pedem com ar contrito a bênção que o pai e a mãe recomendaram para fazer. 

       Entretanto, o mordomo já cedera a cruz ao dono da casa, ou a um filho deste, que a oferece em primeiro lugar aos pais se o mordomo não o tiver já feito e, seguidamente, aos presentes para cumprimento do tradicional "beijar a cruz" e todos, de joelho flectido, um a um, depositam o seu  ósculo nos pés da imagem de Cristo, para, depois de todos o terem feito, ser a mesma colocada no leito do quarto de dormir do casal a "descansar", que a fadiga da jornada recomenda.

        A garrafa aberta do vinho do Porto Três Velhotes, ainda com a rolha a preservar o néctar, a cestinha dos ovos com, uma ou meia dúzia de unidades e os pratos com os doces brancos comprados na mercearia ao pé da porta, umas quantas bolachas "Maria" e os rebuçados, sem patente mas únicos, de confecção caseira, feitos de açúcar e mel, revestidos com papel seda ou afiche multicor e a caneca de verde sobre um prato com o guardanapo a proteger a toalha de linho, já há muito que não faz parte do mesa da Páscoa. Agora, os que ainda persistem em manter, por fé ou tradição, o costume de "abrir a porta" à Cruz, esmeram-se em seguir o padrão actual do consumismo que se instalou na sociedade em geral, produto de uma melhoria acentuada verificada numa significativa facha da comunidade lanhesense, e na "mesa grande", a quantidade e variedade das viandas expostas permite uma escolha ao gosto de cada um, por mais requintado e guloso que possa ser...

     Depois de um dedal de conversa, o moço da campainha dá o sinal de que a visita chegou ao fim fazendo retinir o som estridente característico e, recolhidos os sobrescritos com a oferta pascal ao senhor padre e à mordomia, a comitiva retoma a estrada para a repetição, logo a seguir, das mesmas formalidades com protagonistas novos.

       Para trás ficaram os amigos, familiares e, porventura, algum estranho que se afoitou a entrar disposto a entregar-se à prova das iguarias postas à disposição de todos, e, uma a uma, saltam as rolhas do espumante que, nos tempos que correm, já são escassos os lavradores que fazem questão de oferecer o "vinho de estalo" da colheita própria e os gostos e apetites são agora mais requintados e exigentes.

 Já noite dentro fica completa a volta e a Cruz recolhe à Igreja para a cerimónia da benção final. Ainda numa evocação saudosista do que foi, no passado, o acto final do dia de Páscoa, recordo a mole humana que se formava a partir de Santo Antão onde "todo o mundo" se dirigia, no domingo, e ia seguindo, a pé, as últimas visitas do percurso antes do Compasso recolher à Igreja. Era a altura em que os adolescentes se iniciavam nas lides do namorico, abeirando-se da moça que durante a tarde tinham escolhido, seguindo atrás do grupo das raparigas que com ela passeavam  mas quem não ganhara coragem suficiente para a desafiar a acompanhá-lo, a dois, à luz do dia.

Neste momento, o Compasso andará pelo Lugar da Rocha mas não tenho dado conta de foguetes ou o do grupo de bombos que o precede e vai anunciando. Amanhã, serei eu a ter o gosto de receber na minha casa a comitiva, não apenas para cumprimento de um ritual onde é usual as famílias se juntarem e confraternizarem, mas, também, para reafirmar uma coerência indispensável à doutrina da Igreja a que pertenço.






Sem comentários:

Enviar um comentário

ROMARIA DE NOSSA SENHORA DA ENCARNAÇÃO, EM VILA MOU, VIANA DO CASTELO

                   A Romaria de Nossa Senhora da Encarnação é uma antiga celebração católica que decorre na freguesia de Vila Mou, do concel...