Nas festas de maior expressão
religiosa cristã que se realizam anualmente na nossa freguesia há muitas
gerações, são proclamados pelos organizadores, pelo menos uma vez enquanto
jovens, mordomas e mordomos do orago festejado. Por vezes, são de novo nomeados
nos anos posteriores mas para servir patrono diferente; contudo, há quem por
razões pessoais, quiçá promessa a cumprir, queira repetir uma ou mais vezes a
mordomia.
Os mordomos ajudam nas operações de montagem
do arraial que competem aos festeiros, conduzem aos ombros o andor na procissão
onde vai o Santo da correspondente mordomia e dão um contributo monetário para as
despesas consoante as posses. E desfilam com as mordomas no cortejo dos
tabuleiros. Em tempos recuados, colaboravam no cobrimento das varas de pinheiro
das bandeiras e dos coretos improvisados no arraial, ajudando a namorada a atar
os ramos de bucho. As mordomas, por sua
vez, para além de coadjuvarem nos arranjos florais e limpeza do altar, encarregam-se
nas festas mais solenes de atapetar com figuras desenhadas com flores e serrim ou
mesmo sal coloridos, troços do percurso onde irá passar a procissão; porém, o
encargo de maior relevo que elas assumiam era o de compor um tabuleiro com variados
géneros, comestíveis ou não, para ser arrematado no principal dia da festa.
Nos tempos mais recentes a
apresentação de tabuleiros próprios já não é tão personalizada como se
verificava no passado de que divergem porque são agora em maior parte resultado
de uma coleta de bens por lugares onde transparece um mal disfarçado espírito
competitivo e o valor e a qualidade global da sua composição podem marcar a
diferença na hora da licitação.
Recuando ao tempo onde principia o
surto migratório que trouxe um maior desafogo financeiro a uma grande parte das
famílias do paupérrimo alto minho, designadamente aos jovens solteiros à procura
de noiva, as prestações das mordomias possuíam particularidades bem distintas
das atuais no que diz respeito à variedade e géneros que entravam na
constituição dos tabuleiros e à posterior arrematação em “hasta pública”, se é legítima a qualificação de um espontâneo
leiloeiro a apregoar um a um os artigos ofertados. Se, nos tempos de agora, se
recorre às grandes superfícies para comprar as batatas fritas e o scotch whisky,
o bolo de pão de ló, a garrafa de vinho fino ou os enchidos feitos com carne
importada, no tempo a que reporto estes leilões não havia outra alternativa
senão a de ir buscar ao fumeiro próprio e à salgadeira o presunto e o chouriço
caseiros do porco cevado de dois anos a comer lavadura e milho, encher na adega
da melhor pipa o garrafão de cinco litros de verde carrascão de três estalos
(com a língua, obviamente) e levar à cabeça para o leilão o tabuleiro na esperançosa
ansiedade de saber se o namorado mordomo possuía fundos bastantes que cobrissem
lances “viciados” ou viesse a
sua oferta a ser vencida por golpe malandro e cínico de algum (ainda) encoberto
pretendente a “romper a asa” com a dona
do tabuleiro já comprometida. Ele, nervoso, suando frio, assistia à licitação
do pregoeiro cobrindo com um gesto tímido da mão cada um dos lances surgidos a
contar cada segundo como minuto à espera
de ouvir “ninguém dá mais uma, ninguém dá mais duas, duas e meia e três! -Uf!, Terminou! -Vai para o namorado da mordoma, aquele penteadinho de gravata de flor e lenço no
bolso do casaco. Depois do transe vivido, o arrematante
aliviado por não ter sido “desfeiteado” publicamente por atrevido rival, ficava junto da moça que sorria de
satisfeita com o tabuleiro na cabeça sobre a rodilha, seguiam ao encontro da
família da mordoma para merendar o conteúdo do tabuleiro à sombra de uma ramada
ou árvore frondosa existentes no recinto da festa.
Mordomas de Lanheses em 2015 - Festa do Senhor do Cruzeiro e das Necessidades
Fotos: arquivo doLethes (2015)
Fotos: arquivo doLethes (2015)
Abril/2016
Remígio Costa
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