domingo, 13 de abril de 2025

A PÁSCOA ANTIGA ERA MAIS VIVIDA E GENUÍNA

              

         

                                       Visita pascal 2014
 

          O que não se alterou e permanece na vivência do tempo pascal em relação ao que era nos anos quarenta do século passado, são os rituais da Igreja Católica com as celebrações do Domingo de Ramos e a visita do Compasso ao domicílio após a Solene Eucaristia na Igreja paroquial, às famílias que a aceitassem. 

          Naquele tempo vivia-se a Páscoa desde a última celebração até à seguinte um ano depois. Arranjos nas habitações e limpeza na última semana da Quaresma, economias nos gastos com roupa nova, sapatos, fatos e vestidos, prendas para afilhados, trabalho de alfaiates e costureiras; menos  contenção nos bens de consumo alimentar para quem possuísse gado bovino, galinheiro, cabritos, fumeiro, azeite e vinho. As casas, a maioria, onde não abundavam bens de consumo e fundos para gastos de arranjo interior, e pequeno ou nenhum rendimento para adquirir o mínimo que conseguissem, abriam a residência para receber a Benção pascal, que lhes não era negada, esfregado à mão com sabão rosa o chão, limpando o pó dos móveis, abrindo as janelas para refrescar o ar ambiente, ir  à caixa maior buscar as cobertas rendadas para alindar as camas, dar umas pinceladas de cal nas paredes deterioradas pela humidade.

         Na semana da véspera da visita Pascal, percorria os lugares da freguesia uma dupla de "bois da Páscoa", vinda da freguesia de Perre (mais frequente), bem nutrida, luzidia e escovada, a qual seria posta à venda para consumo nos talhos no decorrer da semana.

        E uma manada considerável de gado caprino para abater in loco.

        Com maior ou menor número de pessoas na sala onde a Cruz era dada a beijar, estava a mesinha coberta com toalha branca de linho rendada,  e as oferendas em quantidade maior ou menor consoante as posses da família visitada. O que nunca faltavam era os ovos que as moças vestidas à lavradeira levantavam, para o Pároco, uma caneca ou garrafa com vinho tinto, nesta ou naquela casa arroz doce caseiro, chouriço cortado às rodelas, presunto em fatias, nesta e depois noutra um pratinho com doces brancos de mel, e outros brindes caseiros.

          Na doutrina os rapazes e raparigas preparavam-se para a participação nas cerimónias pascais instando os pais para que lhe satisfizessem pedidos de roupa nova para vestir no Domingo de Páscoa; entretanto, os rapazes eram menos  interessados no vestuário do que no acompanhamento do Compasso com intuito de apanhar rebuçados ou amêndoas que lhe eram arremessados do cimo das escadas para o quintal. Recordo o caso de um miúdo com cinco ou seis anos, filho de alfaiate, com fato novo que o pai lhe fizera e gravata, que integrava o grupo, ter caído embrulhado num monte de colegas num espaço enlameado sujo de estrume tendo ficando "pintado" de alto a baixo.

          Mas, o que mais diferencia a Páscoa antiga da atual, é o ajuntamento de pessoas no itinerário da visita do Compasso, designadamente no final dos dias. Na tarde de domingo, no troço da  estrada entre o Lugar da Corredoura até ao das Roupeiras, formava-se uma massa compacta de gente a passear, com raparigas vestidas de traje à lavradeira minhoto ou a estrear vestido ou peças variadas de vestuário, cantando composições populares em voga onde os rapazes participavam com o maior contentamento. Já noite, seguia  a  maioria o séquito até à Igreja paroquial para o ato religioso final do primeiro dia da Páscoa.

         Não havia automóveis ou eram raros os passeantes que se aventuravam a seguir atrás da multidão a conduzir viaturas.

         Na segunda-feira, o segundo dia, como menos domicílios ocupados, a Visita decorria (decorre ainda) no lado sul da Freguesia ocupando, mais para o fim, a estrada municipal 205 entre Viana do Castelo e Ponte de Lima. Talvez menos concorrida mas igualmente bem recebida nas famílias onde era costume entoarem-se cânticos alusivos à Ressurreição de Cristo. O séquito terminava, como agora,  no Centro Cívico, sendo a última na Casa do Povo. Depois de momentos animados de confraternização e áreas alusivas à Páscoa, formava-se a procissão, já noite, até à Igreja para o ato de encerramento, no termo da qual o Pároco e o Mordomo faziam breves referências à decorrência da visita com  palavras de reconhecimento à população pela generosidade e fé católica na aceitação domiciliária dos elementos da constituição do Compasso.

        E os felizes conquistadores de namorada seguiam, aos pares, até à morada da moça para a entregar à mãe que, à porta, a esperava.

        Para concluir: 

        Tenho saudades da Páscoa doutro tempo. Da época em que a maioria das pessoas a aguardavam com expetativa generalizada mista de religiosidade e fé. Da genuinidade e crença. Das amizades.

Remígio Costa

      

           

        

        

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