sexta-feira, 31 de março de 2023

MEALHEIRO PORTA-INFÂMIAS

      O episódio que aqui venho abordar aconteceu há já alguns anos. Tem, apenas, dois protagonistas: eu próprio e o sujeito que lhe deu origem. O facto não foi testemunhado e dele não falei até hoje mais que uma vez a alguém fora da minha família, com uma única exceção: na visita pascal de 2012, em que fui mordomo da Cruz, numa breve conversa informal à mesa com o casal do lar que estava a ser visitado e o pároco que integrava o Compasso, abordei e descrevi o episódio na presença do único protagonista do caso de que agora, publicamente, venho falar adiantando desde já que o desfecho deste episódio, a correr e terminar ao invés da verdade, poderia ter afetado para sempre a minha honra e dos meus descendentes.

      Vejamos o caso. 

       Na papelaria que eu explorava no Largo da Feira havia em frente ao balcão principal, em plano inferior, uma banca destinada à exposição dos jornais, a qual não era visível a partir do lado de dentro. O Alex (o protagonista desta história) conterrâneo e, diria, amigo, entrou para comprar algo de que não me recordo, e estando sozinhos trocamos algumas palavras durante breves minutos; finda a conversa despediu-se e saiu levando o que lhe tinha vendido. Mantive-me durante minutos atrás do balcão donde vim a sair com intenção de alinhar os jornais da banca, quando deparei com uma carteira de bolso preta algo deformada pelo conteúdo. Abri-a com vista a colher a identificação do proprietário mas parei quando constatei que estava recheada de notas de banco. Como não tinha atendido clientes depois do Alex ter saído, deduzi ser dele o meu achado facto confirmado logo que o fui procurar e encontrei, alterado e febril, junto do carro a apalpar os bolsos à procura da carteira, cujo recheio chegava aos cento e trinta e seis contos, dinheiro antes do euro, quantia por ele confirmada na minha presença!

     A conclusão que extraio deste episódio com fim feliz é de que sou um pessoa com sorte na vida (não é único nem o mais relevante de outros que já vivi, dos quais falarei um dia), não por qualquer tipo de benesse que não tive, nem aceitaria, porque no meu conceito de valores da honra e da dignidade não têm preço, e passo a explicar por quê:

   Criarei um cenário alternativo de fácil interpretação:

    logo após ter saído da loja o Alex, entrou na papelaria outro cliente mas desconhecido sem que eu tivesse dado conta ainda da carteira deixada esquecida na banca; o indivíduo terá reparado nela mas guardou silêncio; aviado, abalou porta fora sem palavras, desaparecendo rapidamente sem ser identificado. 

    Só eu e o Alex tínhamos tido ação direta no caso, não havia ninguém para testemunhar. 

    A carteira  (e o recheio) jamais apareceram. 

    Então...

    Será que...?

   O anátema perduraria em mim e na minha família por sucessivas gerações.

 Remígio Costa

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