terça-feira, 21 de março de 2023

AMIGO

     

    Conheci-o nos primeiros anos da década de sessenta do século passado, quando ambos exercíamos funções na Escola Preparatória de Frei Bartolomeu dos Mártires, então situada no Jardim D. Fernando, em Viana do Castelo, ele na qualidade de auxiliar de ação educativa, eu como escriturário eventual da secretaria, até me desligar do serviço para entrar no  quadro da Escola Industrial e Comercial de Vila Nova da Gaia. Depois daquela data cada um assumiu o seu rumo e jamais nos cruzámos.

    Daquele tempo guardo memória da ação e personalidade do funcionário Vieira, atencioso, prestável, ativo e sempre disposto a colaborar nas solicitações requeridas. Tinha duas particularidades físicas que o distinguiam particularmente: um modo de se expressar veloz e algo intermitente e uma perna com alguns centímetros a menos que condicionava a normalidade do seu andar. Sem que houvesse de ambas as partes qualquer débito de graça ou favores além da sã amizade, criámos e mantivemos em todo o tempo decorrido uma mútua áurea de simpatia que o tempo não esmoreceu como a seguir se entenderá.

     Já na situação de aposentado, quiçá no início dos primeiros anos deste século, atendi um telefonema que estava longe de esperar. Era o Vieira, que espanto, após tantos anos de ausência de um contacto de qualquer ordem! Na conversa que se seguiu, contou-me pormenores da sua vida profissional e privada que me deixaram, além de surpreendido, muito satisfeito com os sucessos obtidos no seu percurso na função pública. Depois da minha saída da Frei tinha concluído, como aluno do ensino noturno, o Curso de Formação Geral de Comércio, acedera a concurso público para o quadro dos serviços de administração escolar, cumprira sucessivamente os lugares da carreira que haveria de fechar como chefe de serviços! Entre outros pormenores, confidenciou-me que, retirado da vida pública, tratava ele próprio da sua quinta em Amares onde vivia (e ainda habita) com a esposa (professora licenciada em História) e dois filhos, um casal, onde fazia questão de me receber quando me aprouvesse.

       Passaram mais de vinte anos sobre o telefonema acima descrito sem que um encontro se concretizasse ou outro relacionamento houvesse acontecido. Há alguns dias, cerca do meio-dia, alguém dava sinal da sua presença junto ao portão da minha casa. Uma senhora, que não conheci, acompanhada de um meu conterrâneo que servira de guia para lhes referenciar a morada, estavam junto de um automóvel de marca com um passageiro no lugar ao lado do volante. Foi a senhora que me interpelou em primeiro lugar perguntando-me se conhecia a pessoa que estava na viatura. Perante a minha negativa o ocupante saiu ao meu encontro ficando frente-a-frente comigo, no momento em que ouvi uma referência a um dos seus nomes, que logo completei em voz alta: Manuel Joaquim de Almeida Vieira! -Até sabe o nome completo, ouvi da voz feminina.

            Um amplo e celebrado abraço selou o inesperado encontro, seguindo-se a explicação pela esposa do Vieira da surpreendente visita: iam a caminho de Viana para participar num almoço de celebração de aniversário do filho (já engenheiro e a irmã médica) e o Manuel Joaquim fizera questão de parar para me procurar e estar uns minutos comigo. Numa breve troca de palavras soube que o Almeida Vieira fora operado e tinha um pacemaker adaptado, fora  sujeito a uma intervenção cirúrgica à perna descompensada e já não se notava a diferença no andar, mas ainda não retomara os trabalhos da lavoura da quinta porque não tinha condição física para o fazer.

           Eu não recusei nem confirmei a revalidação do amável, genuíno e insistente convite, agora em modo de casal Almeida Vieira, para nos encontrarmos em Amares, tão perto e bom caminho. Ponderarei em todo o tempo que (ainda) me for concedido. 

          Nunca disse nem direi não a um Amigo.


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