Apresentação do livro Lanheses
a preto e branco
Lanheses, 29 Abril 2012
1. Introdução
(a) Cumprimentar
os presentes (Sr. Presidente CMVC, Presidente da Junta de Freguesia de
Lanheses, Digmo. D. Pio Alves, Sr. Conde d’Almada, Pe. Daniel Rodrigues, todos
os presentes)
(b) Louvar a publicação; saudando a organização e
coordenação do livro e saudando, em particular, todos os autores que, de forma
directa ou indirecta nele participaram: escreveram textos, fotografaram,
cederam retratos.
(c) Agradecer ao Prof. Ezequiel Vale o convite para ler e
agora apresentar este livro, isto é, partilhar convosco a minha leitura de um
livro que é vosso, que é de todos vós. Trata-se de um atrevimento pois venho de
fora da vossa terra mas o livro, o vosso livro é, a partir de agora, também meu
pois apropriei-me dele, desculpem o abuso. Na verdade é para mim uma honra
poder tornar próprio aquilo que é só vosso. E confesso que gosto muito que me
convidem a ler, que me dêem a ler. Eu também gosto muito de dar a ler, de
partilhar com os meus amigos as leituras que me impressionam, que me
surpreendem, que me dizem algo. Por isso estou contente por estar aqui. Porque
gostei muito do livro e porque é uma honra maior estar aqui com os autores da
obra: autores dos textos, autores dos retratos, autores da cedência das
fotografias, autores retratados nas actividades que no passado mais ou menos
recente contribuíram para a identidade desta terra, para a identidade dos
Lanhesences. Lanheses tem um rosto e os lanhesences revêem-se nele, re-conhecem-se
nele.
(d) Os autores da
obra
Foram
muitos os autores e todos quiseram a seu modo fazer perviver, fazer crescer a
sua terra. Sabem que a palavra ‘autor’, na sua origem, no sânscrito, quer dizer
“aquele que faz crescer, aumentar”, aquilo que hoje chamamos desenvolvimento
humano, desenvolvimento social.... E como é que designamos aqueles que tudo
fazem para diminuir, apoucar, com palavras ou actos, as pessoas, as terras, os
projectos, as ideias? São os detractores. O que distingue, portanto, um autor
de um detractor é a presença ou a ausência de uma vontade de valorizar, de
crescer, de desenvolvimento humano e social.
2. Apreciação
global do livro
Hoje mesmo Lanheses vive um momento solene, é o seu aniversário. Gostava
que esta apresentação fosse uma homenagem simples mas significativa a todos
quantos foram autores de Lanheses, isto é, contribuíram, cada um à sua maneira,
para o crescimento desta vossa terra – que é já, a partir de agora e se me
permitirem, também um pouquinho minha. Os percursos são inversos: eu cheguei
através do convite do Prof. Ezequiel e cheguei com a leitura da vossa obra,
enquanto que a construção da identidade de Lanheses é obra toda vossa e foi e é
feita por gente de mérito.
Este dia de Lanheses é pois um momento essencial de afirmação da sua identidade,
identidade que foi sendo construída por milhares de pessoas num diálogo com os
outros, com todos os outros mais próximos ou mais afastados geograficamente. Ora,
nós sabemos que é pelo reconhecimento mútuo que as pessoas se confirmam umas às
outras: para poder reconhecer-se a si mesmo como sujeito, é preciso ser-se
confirmado pela relação intersubjectiva (com os outros), quer dizer tem de
haver essa reciprocidade de reconhecimento. Poderemos ir mais longe e dizer que
essa luta pelo reconhecimento é o elemento fundacional da identidade de cada
pessoa e de cada organização e, neste caso, desta freguesia e mesmo deste
concelho e desta nação. Mas nós sabemos que é dos outros que recebemos o
reconhecimento. Este momento é pois muito importante porque ao reafirmarmos
tudo quanto fomos e somos estamos a fazer-nos ouvir em S. Bento, que está
sediado por vezes muito mais longe do que parece. Este livro é pois um grande
contributo para a afirmação de Lanheses em vários horizontes.
A
ideia fundamental com que se fica quando se folheia este álbum soa como um
eco do fado Chuva da Mariza: “Há
gente que fica na história/da história da gente”. Por isso este livro é um
contributo significativo para a antropologia cultural e social ao apresentar um
conjunto de recortes da história dos lanhesences e o modo como as vivências são
inscrições nas histórias de vida e na história de Lanheses. Mesmo quando um
retrato não permite reconhecer, pelo menos à primeira vista, a identidade
pessoal, nós sabemos que está lá representada uma figura humana que, desta ou
daquela forma, nos marcou e nos ajudou a construir a nossa própria história. O
livro tem, pois, um outro nível de leitura, mais profundo: são pessoas, foram
pessoas que fizeram a nossa história e nós fizemo-nos com elas. Elas aí estão,
umas mais outras menos reconhecíveis mas todas elas fizeram Lanheses por mais
aparentemente pouco significantes que as actividades desenvolvidas fossem
consideradas na sua época.
Mas há uma outra ideia forte que talvez só surja
quando se acaba a leitura deste livro. Ao fechá-lo sentimos que o livro esconde
um desafio. Melhor, temos a sensação de que a evocação do passado que nele é
feita contém um desafio profundo, eu diria telúrico, não só para quem aí se
encontra retratado mas sobretudo para aqueles que no livro reconhecem um
destino e que o Prof. Ezequiel Vale quer tornar vivo. Quero dizer, ao descobrir-se a si e ao
outro é a sua identidade que o leitor (re)descobre e nesse processo de
construção do ser entre outros aviva-se-lhe
a vontade de transformar (desafiar mesmo) o futuro sem
esquecer o passado. (Porque não há futuro sem passado, porque não existe futuro
sem memória!). Aí reside, penso, a clarividência do organizador do álbum.
O
método fototextual utilizado visa a
fixação de um passado através do registo de recortes de realidade que vão,
certamente, desaparecer no actual quadro de ruptura da transmissão de
conhecimentos, nesta época de grandes mutações na nossa sociedade. O trabalho
do coordenador concilia uma vertente de pesquisa tanto quanto a vontade de
preservação de um património cultural das gentes desta terra. Deste modo, as
narrativas aqui contadas e retratadas não rejeitam o estatuto de descoberta,
para os autores e para muitos leitores, mas também de divulgação daquilo que já
só alguns de nós reconhecemos; por outro lado recortes da história são a
pervivência (não gosto da palavra sobrevivência!) de um mundo que é já passado.
Com este livro estamos portanto perante uma operação memorialística e é oportuno
voltar a dizer que não existe presente sem passado, ou melhor, não existe
futuro sem passado já que o presente não tem espessura (quer dizer, o presente
apenas tem a espessura de um cabelo como diziam os gregos).
O
papel do organizador do álbum foi, portanto, o de mediador da memória e do
conhecimento. Mas não pensemos que é fácil descobrir testemunhos como os que
aqui estão publicados. Todos nós somos capazes de dizer ou fomos um dia capazes
de afirmar: eu também fazia isto. Pois é, o problema está em descobrir ou em
encontrar pois sabemos como só encontramos aquilo que já achámos ou que já
conhecemos (ver etimologia ‘affare’; ‘compreender’: tornar interno aquilo que é
externo). O grande mérito – e naturalmente o trabalho - do Prof. Ezequiel foi
precisamente esse: revelar-nos o tesouro de tantos lanhesences. Podem dizer-me
que o tesouro já lá estava, o tesouro só esperava o achamento. Mas agora somos
nós todos que vamos poder usufruir desse património genuíno e magnífico que
passa a ser de todos.
Por outro lado, o modo como o livro se aproxima das pessoas com quem mantém
um diálogo - diálogo diverso é certo porque distintas são as vivências de cada
um - mostra quanto se afasta dos princípios deterministas de causalidade do
funcionamento humano, inclinando-se para uma perspectiva construtivista que
privilegia o papel activo do indivíduo na construção da identidade do lugar
e da região em que vive e que o rodeia, pela assimilação-acomodação
de novas informações às suas estruturas e não apenas pelo condicionamento ou
aprendizagem de comportamentos a partir dos estímulos recebidos. Nesse
sentido, penso que os autores estarão de acordo comigo: cada pessoa recebe e
integra outras perspectivas, mas também impõe as suas próprias perspectivas ao
ambiente externo, através de um processo activo e recíproco.
Tudo isso faz situar esta obra no paradigma ecológico do desenvolvimento
humano pois permite-nos ver como cada uma das pessoas ‘achadas’ se torna um
protagonista influente no seu meio social. Por outro lado, os diferentes
testemunhos presentes no livro mostram-nos como à medida que avançamos no ciclo
de vida nos vamos tornando cada vez mais diferentes uns dos outros e que essa
diversidade resulta da interacção recíproca entre um indivíduo activo e um
mundo em mudança.
Nesta obra pode, em síntese, ver-se como através de acções individuais e da
interacção com os outros as pessoas influenciam o espaço onde vivem e ao mesmo
tempo recebem os efeitos do contexto tornando-se agentes activos do seu próprio
desenvolvimento e de uma recriação da identidade sociocultural.
Por isso mesmo não posso deixar de registar aqui a sensibilidade do Prof.
Ezequiel Vale que soube colocar na mão de todos um espólio rico e variado. Este
tesouro passa a estar nas nossas mãos, espero que com muito gozo (no sentido
primeiro de alegria e felicidade) como aquele que o organizador teve na sua
elaboração.
Muitos
parabéns a todos os lanhesences neste dia de festa. Muitos parabéns a todos
quantos contribuíram para a reunião, a recuperação e a edição deste espólio
rico de vivências e de património. Muito obrigado ao coordenador da obra,
mediador clarividente e sensível, à Junta de Freguesia e à Câmara Municipal
porque estão atentas e interventivas nas dinâmicas sociais e culturais da
freguesia e do concelho.
Mas
comecemos pelo princípio: o título. Lanheses
a preto e branco
Trata-se,
como o coordenador bem diz, de Álbum. O
termo Álbum vem directamente do latim
e era um quadro branco (cf. etimologia: albus, alvo, alva(túnica branca) onde
os romanos registavam e expunham à leitura pública frases comemorativas e
outras indicações que interessavam aos cidadãos. Hoje é um livro onde se
colocam fotografias, postais ou selos e é também um livro com imagens, texto
breve e legendas ilustrando, por exemplo lugares, pessoas, actividades,
monumentos, tradições.
Uma
nota sobre o Álbum de retratos, olhar o património do Prof. Presidente
Ezequiel Vale que nos orienta, como o pretor num álbum (cf. etimologia de album:
Por exemplo os éditos do Pretor- magistrado mas
depois passou a ter peso político, governo de uma terra; pretor "el
hombre que va antes que los otros" (cf. Ezequiel)
A sua
intervenção neste livro, qual pretor que caminha à frente de todos (é esse o
sentido primeiro)
“Nascer pequeno, e morrer grande, é chegar a
ser homem” (P. António Vieira)
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