O TEATRO AMADOR NA TRADIÇÃO CULTURAL DE LANHESES.





A abordagem que aqui venho fazer sobre a tradição do teatro amador em Lanheses não tem a pretensão de ser um trabalho exaustivo e completo. Trata-se de uma pequena evocação de memórias de tempos que ainda permanecem, elaborada a partir dos escassos dados escritos a que fui tendo acesso de modo esporádico relacionados com a popular atividade teatral entre nós. Tão simplesmente, um relato sucinto de quem a viveu quase integralmente na primeira pessoa, desde o começo da sua estruturação e posterior desenvolvimento até aos nossos dias. Aliás, se há razões para acreditar que serão diminutos os elementos escritos que falam sobre esta área da cultura popular no nosso meio, começam também a rarear os que têm ainda memória suficientemente saudável para que a possam testemunhar verbalmente.

Falar do teatro amador em Lanheses implica referir desde logo duas personagens incontornáveis: Gabriel Gonçalves e Rogério Agra. Deve-se ao primeiro a iniciativa do seu começo organizado, a autoria de peças originais, a encenação e realização dos primeiros espetáculos públicos e, ao segundo, a sustentação e continuidade durante mais de cinquenta anos nos papéis de promotor, dinamizador, ensaiador e ator com decisiva importância para que a atividade viesse a tornar-se popular e se enraizasse como tradição no seio da nossa comunidade.

As referências sobre o teatro em Lanheses reportam-se aos anos trinta do século passado quando o professor Gabriel Gonçalves foi desafiado a escrever uma revista sobre os costumes e tradições locais por João Castanho Correia, vulgo João da Espanhola, que ele assumiu sem hesitar em colaboração com o professor Custódio Quintas, seu colega de ensino na escola primária local. A “Revista de Lanheses”, por eles escrita em parceria, era composta por números musicados originais executados por intérpretes amadores e músicos e atores selecionados localmente, que visava caricaturar e vida quotidiana da Lanheses. Terá tido um sucesso que motivou os autores a prosseguir com outras iniciativas no âmbito do teatro amador nesta freguesia.

Os primeiros espetáculos decorreram na ampla moagem que existia no então Largo da Feira pertencente à família Matias do Gregório, no mesmo local onde está instalada atualmente uma loja de venda de móveis. O edifício primitivo possuía um desenho completamente diferente do atual.

Uma das primeiras peças levadas à cena e cuja recordação ainda perdura com aura de enorme sucesso popular tinha o título de “A Bruxa”, cujo guião, fazendo jus às qualidades da personagem que dá nome à peça, terá levado sumiço por artes mágicas da feiticeira vingativa e maldosa, pois que, até hoje, nunca mais alguém lhe colocou a vista em cima.

O grupo de teatro amador passou a atuar na Casa do Povo do Largo Capitão Gaspar de Castro ainda sob a direção de Gabriel Gonçalves. Após a sua saída como diretor e professor da escola primária de Lanheses por razões da sua carreira profissional, a continuidade do teatro foi mantida com a participação do padre Alberto Faria por alguns anos, tendo já como um dos seus mais ativos colaboradores, Rogério Agra. Com o prematuro desaparecimento do coadjutor do abade de Lanheses Francisco Ribeiro da Fraga e excecional mobilizador da juventude da época, foi o Rogério quem assumiu a orientação do grupo de teatro e seu principal responsável, sendo de referir que, também Rogério Dantas Rio participou de forma ativa como autor de números musicais e da coreografia apropriada, encarregando-se ainda de fazer de “ponto” em algumas das peças exibidas.

Multiplicaram-se ao longo dos anos os espetáculos representadas pelos amadores de Lanheses. Nesta, como noutras localidades, envolveram-se na atividade dezenas de mulheres e homens de idade e ocupações diferenciadas representando, construindo, montando e desmontando cenários, costurando roupas adequadas aos números em que participavam, decorando os papéis e ensaiando à noite durante meses, apenas pelo prazer de fazer teatro e viver momentos de grande emoção e alegria pelos sucessos alcançados.

Guardo recordações desse tempo das mais gratas da minha existência. Do convívio, das amizades e do prazer de representar. Contracenei com atores e atrizes de talento inato, que encarnaram papéis com o à vontade e a simplicidade dos dotados autênticos. Que me perdoem todos eles a exceção, mas, em homenagem aos  que não vou agora nomear, permitam-me que distinga duas personagens cuja memória é, para mim e muitos outros que os conheceram e com eles tiveram o prazer de partilhar anos de inexcedível relacionamento: Rosa Delmira Agra Gomes e Rogério Pimenta Agra. Os nossos melhores.

Além do palco da antiga casa do povo, o grupo de amadores do teatro de Lanheses, levou à cena espetáculos no atual novo edifício e na Escola Secundária. Na reestruturação e ampliação do pavilhão gimnodesportivo, o palco foi suprimido e, neste momento, só este auditório permite que a atividade continue ser praticada, contudo, com visíveis limitações. Recebeu e aceitou pedidos para representar em numerosos palcos de outras localidades.

Neste breve ensaio não cabe fazer a apologia do que representou o teatro popular entre nós, como meio de divertimento lúdico e cultural da comunidade lanhesense, sobretudo em meados do século passado, antes de ter aparecido em Lanheses a primeira televisão no café Vale e ainda depois. Apesar de não ser fácil aos nossos jovens deste tempo, plantados num mundo virtual de intensiva tecnologia e permanente mudança, recriar uma ideia fiel do contributo que os seus avós e pais deram para a preservação do património cultural da nossa freguesia é neles que reside a esperança de a ver cada vez mais exercida e estimada.

Muito obrigado, pela vossa atenção.



Lanheses, 2014.04.29



Remígio Costa.


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