O José Esteves vivia segundo os princípios que a si
próprio impunha. Era dotado de uma personalidade fortemente distinta e pouco
comum, que o distanciava da dependência fosse de quem fosse. Recusava de modo
quase ostensivo a caridade de um favor que não pedia (nunca pedia) nem
beneficiou, por sua vontade, do direito à minguada pensão da previdência social
que lhe era devida, a qual apenas lhe veio a ser atribuída escassos dois anos
antes da sua morte por ação da direção da Obra Social de Lanheses, que a
requereu sem que para colher o seu assentimento não tivesse sido necessário
usar de habilidosa persuasão para colher a sua assinatura e formalizar o pedido,
vindo depois a encarregar-se de a gerir à medida das necessidades do
beneficiário porque ele recusava-se a recebê-la diretamente da Caixa Nacional
de Pensões.
Certo nas contas, parco nos gastos não por sovinice ou avaro apego ao vil metal, bom vizinho e ser pacífico, o José Esteves era afável e alimentava num tom aboborado conversa com alguma substância quando instado e se sentia à vontade perante o interlocutor, em especial com os vizinhos mais próximos ou pessoa que bem conhecia, como acontecia comigo. Era reservado e precavido, sempre de pé atrás quanto aos direitos e às obrigações impostas pelo Estado. Seguindo o comportamento do pai, nunca se envolveu em iniciativas de cariz associativo ou cívico. Foi inteiramente alheio à política. Completou na escola primária de Lanheses o grau básico do ensino escolar.
Corpo estendido no chão, frio e hirto. E silêncio, sobras e vazio.
As bicicletas são parte relevante da sua identidade
e objeto inseparável do seu percurso de vida.
Possuía-as em vários tamanhos, clássicas na sua estrutura, a preferida apetrechada com um selim longilíneo de mola cromada, com aparência de ser tão antiga quanto ele. Já no ocaso da sua existência era visto a pedalar numa bicicleta com rodas de tamanho reduzido e guiador de braços levantados como a mota de um motard extravagante, o que lhe facilitaria o equilíbrio e apoiar os pés no chão ao mesmo tempo, em situações que paragens inesperadas recomendam. Outras vezes, mantinha-se, por momentos, parado com ela encostada ao corpo alquebrado, supercilioso e mirrado de carnes na face e no corpo, olhando por baixo do boné de pala curta ou gorro de abas a cobrir as orelhas, frágil como um ramo seco pronto para se tornar cinza, não se distinguindo muito bem se era ele que a segurava ou a bicicleta que piedosamente o amparava.
O espólio dos seus utensílios de trabalho mais significativos ficaram à guarda da Junta de Freguesia até que judicialmente seja decidido a quem, e onde, deverão ser entregues.
Morreu o cidadão José Esteves Fernandes, celibatário, sem descendência direta conhecida ou colateral próxima, mas o ZÉ RETRATISTA, quiçá o mais antigo fotógrafo a la minuta do Alto-Minho, perdurará para além da memória de muitas gerações futuras através da História plasmada nas inumeráveis fotografias que criou das gentes, lugares e costumes da época que viveu. Foi um Homem que assumiu a sua humildade sem amargura ou rancor e de alma limpa, que viveu segundo os seus próprios conceitos e princípios, livre, respeitando o seu semelhante mesmo que nem sempre as suas qualidades tivessem sido valorizadas quanto o mereciam.
(Vídeo)
Fotos e vídeo: doLethes
Lanheses, Abril/2014
Remígio Costa.
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