OS
“ZEITONAS DO AVÔ”
Andava à procura de alguém com memória do
passado ainda saudável , com o intuito de conhecer a origem da alcunha de uma
figura popular da nossa comunidade lanhesense.
A pessoa que me indicaram para me ajudar neste propósito, já tinha
apagado do escaninho das arrumações das coisas passadas tão mesquinho conteúdo.
Porém, não foi em vão que o abordei, porque, logo outra, relacionada com a mesma
pessoa e com um dos seus irmãos, limpa do pó dos anos passados, me deu a
conhecer.
Então, aconteceu assim: o avô curtia em duas
pias de pedra arrumadas ao lado da salgadeira na loja das traseiras da mercearia
onde eram vendidas, com a luz entrar num fio ténue pela fresta romana aberta
na parede, as azeitonas pretas e lisas bem temperadas de sal e polpa bem
nutrida e sã. A determinada altura deu-se conta o perspicaz ancião de que a
quantidade das sedutoras e apetitosas azeitonas diminuía a ritmo muito mais acelerado
daquele que as vendas decorriam no balcão da loja. Desconfiado de que alguém
andava a meter, à sucapa, as mãos nas graníticas talhas para lhe comer as
azeitonas, o defraudado que as curtia com tanto esmero e gosto
congeminou um ardiloso estratagema a fim de deslindar o enigma.
Retirou as azeitonas das pias substituindo-as
por “matéria orgânica” de animais domésticos, recolhida ali mesmo nas cortes ao lado, sem ter dado conhecimento a ninguém ainda que seu próximo e ficou
atento ao que pudesse vir a acontecer. Algum tempo passado, surgiram, vindos de
dentro, de cabeça baixa, dois dos seus netos, ainda em idade precoce, com as
mãos e braços cobertas de um líquido pastoso e escuro que ia dos dedos até aos
cotovelos, de cheiro nauseabundo, com ar de quem tinha sido surpreendido em
flagrante em acto pecaminoso passível de
ser submetido a veredicto confessional para alcançar perdão.
O episódio, como sempre acontece
nas pequenas urbes rurais, onde ninguém escapa ao escrutínio público das peripécias
mais insólitas e originais mesmo que elas
se passem na intimidade das próprias telhas, passou de boca em boca como o lume
na estopa e não tardou que os dois rapazes passassem, daí em diante, a ser
tratados pelos seus companheiros de infância como os “zeitonas do avô”.
Criar alcunhas e muitas vezes
usá-las em substituição do nome adquirido do baptismo faz parte de uma tradição
do nosso quotidiano vivencial sendo raros os que as não têm. Nem por isso
algumas são bem aceites pelos alcunhados. Outras, menos expostas ao ridículo e desfrute popular ou conotadas com episódios ocorridos que se querem esquecidos, acabam por vincular de tal forma os visados que se sobrepõem ao nome constante do registo legal perdurando para além da vida do visado através da família a que pertenceu.
Lanheses, 2013.10.03
Remígio Costa.
Muito bonita historia, Remigio faz-me lembrar, como a minha mae adoptiva curtia
ResponderEliminartambem as azeitonas em talhas de barra one dai iamos comendo todo ano, algumas estavam "meladas, mas com boroa de qinze dias tambem passavam...
Um abraco-Manuel horacio Lima De Jesus
Manuel Horácio:
ResponderEliminarE que bem que elas sabiam!
Tenho pena da geração dos MacDonal's...
Abraço.
Remígio.