O DEVEDOR COM ESTILO
“Sr. Ribeiro, sou o
marido da Luísa Gadanha, o sr. Raimundo, prometi não incomodá-lo mais, será
mesmo a última vez…
…Peço muito que pela sua saúde e boa vontade, me possa emprestar 10€ e que
me deixe ficar juntamente com a receita dentro do envelope, no final da missa
passo por cá. Sr. Ribeiro faça-me um sacrifício pela última vez, Obrigado…”
O sr.
Ribeiro Bondoso já estava a acostumar-se ao original expediente a que o sr.
Raimundo Fiel (se bem recordo o apelido) recorria para obter um
empréstimo particular. Nas primeiras
vezes, a abordagem foi verbal, cara a cara, contudo, exigia exposição incómoda
e comprometedora e risco maior de ver abortar a operação por mais veementes que
fossem os argumentos e a insistência usada.
Desta vez, o
sr. Ribeiro Bondoso chegou ao café onde a empregada lhe entregou uma carta
fechada. – Foi um sr., que não conheço, que a deixou para lhe entregar,
disse. O sr. Ribeiro Bondoso olhou o sobrescrito fechado e sem conhecer a
caligrafia que desenhava em cuidado estilo o seu nome, abriu-o e retirou a meia
folha de papel de linho cujo início do texto acima está revelado.
O sr. Ribeiro Bondoso conhecia de vista o “sr. Raimundo” que apenas via
esporadicamente a passar na estrada a pedalar lentamente na pasteleira ou a pé,
sempre só, como que alheado das pessoas e das coisas. O pouco que o sr. Bondoso
sabia sobre a sua vida pessoal fora colhido dos dixes dixes que passam de boca em boca nos meios rurais, e que, se
verdadeiros, não eram abonatórios por aí além quanto aos hábitos e costumes que
norteavam a vida do sr. Raimundo Fiel para além da sua inveterada carência de vocação
para o trabalho.
Em abono do indigente
solicitante, o sr. Ribeiro Bondoso lembrava-se de que o sr. Raimundo Fiel sempre
cumprira na liquidação dos empréstimos passados. Tardava, mas não faltava. Bem
sabia que os argumentos eram forjados, as receitas urgentes da farmácia um
expediente demasiado liso pelo desgaste, a insinuação de religiosidade
praticada uma falácia ingénua a apelar de forma sub-reptícia à caridade cristã
do emprestador. Além de que o valor requerido não era desregradamente ambicioso
e se viesse a ser perdido por incumprimento do devedor, nunca o diabo levasse mais, consolava-se. E, estava decidido, seria sempre o último.
Por isso, o
sr. Ribeiro Bondade colocou dentro do mesmo sobrescrito a notinha rosa de 10€,
fechou-o com a cola interior do bordo e devolveu-o à empregada com a
recomendação de o entregar ao sr. Raimundo Fiel. Ela não comentou, mas ele notou
que a moça esboçava um sorriso revelador. Já decorreram cerca de dois meses
sobre a data do levantamento da carta e do sr. Raimundo Fiel nem notícia nem
figura. Há de chegar, vai cumprir, é a convicção do confiante credor E, depois
de cumprida a honra configurada na nota dentro do sobrescrito, irá deixar pago
um cafezinho para o sr. Raimundo Bondoso, em forma de gentil reconhecimento pelo
perdão dos juros.
Remígio
Costa
2016.10.17
tem um sentido de humor fora do normal. a informação tem que ser mais pura e verdadeira.deixe-se de charadas.
ResponderEliminarAnónimo de 19 de Outubro às 1:13
ResponderEliminarEntão descobriu no texto divulgado que tenho sentido de humor fora do normal!? Boa! Mais vale saber isso tarde do que nunca! E obrigado (também) pela "dica" da charada engraçada com que explica a dita.