quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O PENETRA DA BODA





                              O PENETRA

         Participar numa boda de casamento sem ter recebido previamente convite dos nubentes era proeza porventura muito difícil de conseguir ou mesmo impossível, há algumas gerações passadas. Com raras exceções de enlaces matrimoniais ocorridos no seio das famílias de posses, o jantar modesto da boda que sucedia à cerimónia religiosa na Igreja decorria numa dependência da casa da noiva se nela pudesse alojar-se todos os convidados, ou, em tenda improvisada fora dela com os convidados acomodados numa única mesa longitudinal, sentando-se à cabeça os noivos, os padrinhos, por vezes o pároco da paróquia e os familiares mais próximos de ambos. Para atenuar a ruralidade do ambiente, usava-se ornamentar o espaço com flores, xailes e lenços regionais ou mesmo cobertas rendilhadas e tapetes estampados. O número mais ou menos reduzido de convivas, a proximidade de relações e conhecimento mútuo da maioria, a confinação ao acanhado espaço da tenda ou compartimento retirava a veleidade ao mais sagaz e atrevido dos penetras se introduzir à socapa no banquete sem ser notado.
              Nos tempos que correm uma grande parte das bodas converteu-se num espetáculo festivo de amplas proporções, formando-se  comitivas que chegam às centenas de convidados exigindo espaços desafogados que permitam a organização do serviço em múltiplas mesas e a dispersão por elas do variado menu , sujeitando-se os presentes a cirandar de uma para outra mesa de talher, copo e guardanapo de papel entre mãos para se servirem das viandas e a comer em pé no caso de não encontrarem melhor forma de o fazer.
              Em princípio de agosto último a temperatura ambiente ao sol no domingo da boda para a qual tinha recebido antecipadamente expresso convite, era por demais causticante e cansativo; passava das três horas da tarde quando estacionei a viatura no parque privado da quinta onde já se encontravam muitas outras e desfiz o nó da gravata atirando-a com o casaco para o banco traseiro. Já com a paciência ao nível oposto aos 37 graus Celsius que o termómetro do tablier marcava, esperei que a minha mulher saísse do carro e eu pudesse acionar a chave e trancar as portas. Dei, sem mais demoras e prospeções à procura de referências para orientação porque o local não era novo para mim, alguns passos sobre uns metros de relva, atravessei o portelo aberto numa sebe e tinha à vista os toldos guarda-sois a proteger os acepipes e as pessoas a comporem com eles os pratos que seguravam nas mãos. Passava perto de mim, ligeira, uma jovem com veste preta e gola branca de servente, que à minha pergunta me indicou onde estavam os talheres. Juntei o que precisava, fui direito a um dos toldos mais próximo, a minha mulher seguiu-me, servimo-nos do que havia ali à disposição e afastamo-nos, isolados de outros grupos, para comer. Não me preocupou a identificação de alguém ali ao meu redor e, uma vez que ergui a cabeça vi a passar perto de mim uma pessoa que bem conheço e integrava o grupo de convidados do mesmo casamento em que participávamos. Precisava de procurar uma bebida e olhei, então, à minha volta surpreendido de, entre tanta gente que por ali estava, não tivesse avistado alguém conhecido. Estranhei a noiva, embora ela estivesse algo afastada e de costas para mim. Já a sentir que algo de errado havia na situação, encarei outra jovem de bata escura para obter a confirmação de ser o sítio  certo aquele onde nos encontravamos. – Menina, por favor, este casamento…Ela interrompeu-me: - Então, não me conhece? Eu sou a C… -Claro, sim, és a C.,oh, desculpa não te ter reconhecido logo. Nem queria acreditar que a moça, linda e simpática, vestida daquela maneira, era uma das filhas do S.A. de uma freguesia vizinha e pertencia a uma família das minhas relações e amizade, que estava naquele casamento a colaborar no serviço a pedido da noiva, sua conhecida e conterrânea! – Sim, no outro lado da quinta está a decorrer outra boda, segundo me parece. Talvez seja a que procura.
            Dei-me conta, então, de que no mesmo espaço do restaurante decorriam em simultâneo dois casamentos. Descuidado, envolvi-me no primeiro que avistei e a que não pertencia enquanto aquele onde podia e deveria estar acontecia suficientemente afastado e isolado do anterior.
           Abandonámos os talheres na mesa mais próxima sem levantar a vista em redor e deixamos o local o mais discretamente que a situação o permitia, seguindo por baixo de uma ramada e onde havia uma fila de convivas sentados à sombra, a olhar sempre para a frente com a sensação de que levava nas costas  com "todo o mundo a ler" um papel colado com a palavra PENETRA em letras enormes, só ficando aliviado quando, uns metros percorridos me integrei, aliviado, na boda certa.

2015.09.09

Remígio Costa


          


               
              
            
        

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