segunda-feira, 27 de março de 2023

PAPA-FIGOS AZARADO

     Tinha descido do lugar da Corredoura onde morava para ver passar na estrada nacional no largo da Feira a caravana ciclista de uma volta a Portugal, era eu um rapaz com idade escolar do ensino primário. Já três horas da tarde tinham sido anunciadas nas badaladas do sino da torre da Igreja quando retomei, sozinho, a pé, o regresso a casa pela estrada escaldante de macadame  batida àquela hora pelos raios impiedosos do sol de verão. Tinha passado a casa do meu avô paterno, junto à Capela do Senhor do Cruzeiro e das Necessidades, quando o ouvi em alta voz pronunciar o meu nome a chamar por mim.

        - Remígio, vem cá, vem aos figos. 

     Por momentos hesitei porque a hora do almoço se aproximara da da merenda à velocidade da corrida dos ciclistas que pouco antes tinham atravessado o Largo, e em cima da figueira nem daria a devida conta ao alargamento do atraso.

     Mas, cedi e voltei atrás.

    A figueira dos avós crescera junto à habitação, enorme e recheada de frutos grandes e maduros. Pela altura e volume da copa da árvore a colheita não era fácil, nem a escolha a melhor a partir do chão, pelo que o recomendado seria subir, o que fiz sem dificuldade de maior habituado como estava naquela idade a colher fruta diretamente das árvores. A prospeção visual levou-me a escolher um ramo com alguma extensão e grossura tendo-me aproximado da ponta para, com alguma segurança pensava eu, colher os figos lindos e atraentes que lá vira.  

       Pois, sim! 

      Num ápice, estava no chão envolto nas folhas e ramos menores, clamando aos berros por auxílio. Tinha a mão direita virada ao contrário pelo pulso e o cotovelo do mesmo braço deslocado da posição devida. 

    Ao lado trabalhava na carpintaria o marido da minha tia e madrinha de batismo que, com um golpe rápido, fez a mão voltar à posição natural tendo no entanto resultado inúteis as tentativas para regularizar os movimentos do braço pelo cotovelo. 

   Levaram-me para a casa dos meus pais.

   Depois, foi o tempo  das dores da recuperação, da veemente reprimenda, dos conselhos e da decisão inabalável de nunca mais me pendurar num galho de uma figueira cuja resistência natural é deveras duvidosa, ainda que por demais tentadora pelo saboroso fruto que produz. 

          

        


         Melros e papa-figos,

         e mais pássaros que tais,

         levam a vida entretidos

         para ver quem come mais.

        

 

    Remígio Costa      

            

      

       

      

   

  

 

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